quinta-feira, 24 de maio de 2018

Minha dissertação: Um estudo sobre identidade, corpo e deficiência na escola

DO ESTRANHAMENTO DO CORPO Um estudo sobre identidade, corpo e deficiência na escola 

Investigar os significados atribuídos ao corpo e ao corpo com deficiência no contexto de uma escola pública da rede municipal do Ensino Fundamental, que já tenha a experiência de inclusão de alunos com deficiência foi o objetivo desta pesquisa.

Problematizou-se, aqui, o estranhamento que surge nas relações com os corpos “desviantes” no contexto de uma cultura escolar e como tais significados atribuídos a estes demarcam a(s) identidade(s) desses alunos e como eles próprios e seu ambiente reagem a sua presença na escola. Algumas questões de pesquisa são levantadas como pontos de partida nesta investigação: Como se manifestam corporalmente os alunos no interior da escola - em sala de aula e no recreio? Como a aparência, o movimento, os gestos e comportamentos expressam características comuns a todos os alunos e a cada um? Quais os discursos, as ações e as práticas de professores e alunos no dia a dia de uma escola na relação com o diferente e com a pessoa com deficiência?

Com o propósito de observar, descobrir e analisar como as escolas estão respondendo às políticas oficiais expressas no paradigma da Educação para Todos e da Educação para a Diversidade esta dissertação apoiou-se na pesquisa qualitativa, descritiva e interpretativa, e se utilizou de instrumentos da etnografia - a observação e a entrevista – para a coleta de dados. O material empírico foi, portanto, coletado através da observação, dos registros em diário de campo e das entrevistas (individuais reflexivas e semiestruturadas).

Foram cinco meses em campo, perscrutando o ambiente escolar para gerar as condições de análise, que permitiram perceber uma rede complexa e sutil de representações e significados, que envolvem as relações entre professoras e alunos, quando se trata de conviver com a diferença de corpos estigmatizados.

Palavras-chave: corpo –  deficiência – escola – inclusão - educação

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terça-feira, 14 de novembro de 2017

Keita! L'héritage du griot / Keita! O legado do griot

Autora: Silmara Peixoto Moreira[1]
Professora: Carol Costa Bernardo

Texto apresentado na disciplina DIDÁTICA NOS PAÍSES DA INTEGRAÇÃO, cujo objetivo foi: ser uma análise do filme  Keita! O legado do griot em diálogo com o texto de BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 2007, discutido em sala de aula.

O filme do cineasta africano Dani Kouyaté inspira-se na representação do griot, mesclando realidade e ficção, operando numa mediação entre a palavra (oralidade) e a imagem, nos mostrando uma realidade de um lugar de conhecimento africano diferente daquela imagem estereotipada que aparecia nos romances coloniais. O aparecimento do cinema africano foi em 1955  na perspectiva de contestação às imagens difundidas pelo cinema colonial, tendo  por objetivo a busca por uma africanização. Ainda hoje, os/as cineastas africanos/as têm por objetivo produzir obras centradas nas realidades da África pós-colonial, realizando filmes que constituam um meio de apreciação da situação real dos indivíduos.(PARÉ, 2012) [2]
O filme narra a história do griot Djeliba e o menino Mabo da família Keita que passa por conflitos que surgem na família e na escola após os ensinamentos do griot para o menino. Podemos perceber diferentes tipos de educação que se passa no filme: A educação formal, adquirida na escola; a educação informal adquirida com a família; e a educação não formal, adquirida pela religião através da tradição.
 Quando o griot vai até a família Keita cumprir seu dever de inserir o menino Mabo na tradição, através da contação de história da origem do seu nome pelo ensino da oralidade, os seus ensinamentos começam a entrar em conflito com os ensinamentos do professor da escola. A mãe do Mabo começa a se incomodar com os ensinamentos do griot para seu filho, pois isto estaria tirando o foco do garoto da escola, e para ela a escola é que era o local de aprendizado. O pai do garoto se mostra adepto à tradição, pois esta acontecia de geração para geração na sua família e ele não podia interferir nos ensinamentos do griot para o menino Mabo. Com isso, o garoto passa a se dedicar a ouvir as histórias do griot e deixa de lado as lições da escola, o que causa ainda mais raiva a sua mãe e ao professor da escola que vai até o griot questioná-lo. O professor se sente ofendido com os ensinamentos do griot para o garoto porque estes não coincidem com os ensinamentos da escola e pede-o que pare de contar história ao menino e deixe-o ir à escola porque lá é o local ideal para aprender de verdade os saberes que são importantes. Para o griot conhecer a história dos ancestrais é que era importante.
 Dessa maneira, podemos observar que os conflitos surgem na medida em que um saber se sobrepõe a outro. De acordo com Carlos Rodrigues Brandão (2007) em todo lugar se pode aprender com uma ou várias educações e que o sábio seria aquele que reconhece que existem várias concepções de educação e que nem a escola ou professor deve ser o único local e único praticante dessa prática social, pois todas as formas de aprender e todos os locais que se aprende são importantes para a formação do ser humano.
A educação é uma prática social que envolve diversos saberes e atores/as sociais. Ela pode existir imposta por um sistema centralizado de poder a serviço do colonizador e/ou classe dominante como também pode ser um instrumento de luta para reinventar outras práticas e maneirar de resistir ao sistema. Ela é inevitável e existe de mais modos do que se pensa e a educação não deve ser universal.                                                                                                                            





[1] Graduada em Bacharelado Interdisciplinar em Humanidade pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB). Atualmente é graduanda de Licenciatura em Sociologia na mesma instituição. Contatos: lanaisilmara@gmail.com // Facebook: https://www.facebook.com/silmara.lanai //  Instagram @lanaisil
[2]  Paré, Joseph. Keita! O legado do griot: a estética da palavra à serviço da imagem.  Disponível em: http://cine-africa.blogspot.com.br/2012/12/keita-lheritage-du-griot-dany-kouyate.html. Acessado em 06 de outubro de 2017.
                                                                                                                                           

sexta-feira, 4 de março de 2016

Família x Escola, qual o diálogo?

Texto de reflexão apresentado após 11ª aula da disciplina SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO BRASILEIRA em Outubro de 2012. Profª. Dra. Maria Juraci Maia Cavalcante. Autora: Carolina Maria Costa Bernardo.

Reflexões...
Esta foi definitivamente a aula que eu mais me diverti. E provavelmente a aula que mais tocou a dimensão afetiva e pessoal. Discutir família e sexualidade é uma tarefa de prazer e desafio para mim, talvez por ainda ser vista como um tabu na área da educação. Em sala de aula, tive uma crise de riso em tempos de crises sociais e institucionais. Palavra que caracteriza nosso tempo, tempo de difícil definição. Assim, escolho um caminho pessoal para este ensaio, sem claro, tecer considerações relevantes para a emblemática antítese escola versus família.
Nasci em 1981, início da década perdida e da informação, década de criação e crescimento do PT e da conquista das eleições diretas para presidente. Filha de militantes políticos, vindos do sul, instalados no nordeste para fundação de um partido. Mãe branca, gaúcha e feminista, pai negro, carioca e comunista, boêmios e pertencentes a modelos alternativos de família e sociedade. Separados e amigos. Lembro que quando íamos à praia, restaurante ou outro lugar público: meu pai, sua namorada, minha mãe, o namorado dela, amigos, e muitos filhos, nós chamávamos atenção de outras famílias presentes. Olhares atentos, curiosos e poucas vezes de admiração, muitas vezes olhares discriminadores.
Na escola (particular, bairrista de pequeno porte) eu e meu irmão chamávamos atenção pela participação, oratória e inteligência de nossos pais. Os rumores pós-reuniões giravam em torno da contradição entre as qualidades que tinham versus aparência (e comportamento social). Como se as qualidades evidenciadas acima não correspondessem ao perfil de tão diferentes modelos. Quando meus pais saiam na TV em alguma manifestação, passeata, ocupação era outra situação que trazia a tona muitas falas sobre nós, os filhos que eram abandonados pelos pais que vivem correndo da polícia. Coisas assim...
Cito apenas algumas situações que mostram alguns desafios que eram fazer parte de uma família fora da norma. Eram muitos os julgamentos negativos que eu ouvi sobre meus pais por parte de vizinhos de bairro, professores e gestores na escola. Processo natural da adolescência, eu neguei este modelo de família e decidi que teria uma família “normal”. Então fiquei noiva do meu primeiro namorado, casei na igreja e no civil com um homem de uma família tradicional, cujos pais eram casados há 40 anos, os cinco irmãos todos casados e prósperos. Quatro anos depois de casada me separo após descobrir uma série de valores ligados a opressão, hipocrisia, machismo, moralismo cristão de um modelo patriarcal de família.
Esse breve resumo de minha vida é para mostrar as razões de eu rir tanto na última aula. As falar da professora, repletas de bom humor, ilustrando as contradições das famílias, dos discursos, da moral impregnada nos modelos arcaicos de sociabilidade, de família, de sexualidade delinearam um contexto de família que pouco se quer desconstruir nos espaços acadêmicos. E que muito tem de relevância para as questões educacionais, históricas, sociais.
O casamento é uma estrutura enfadonha para tempos de tecnologia, velocidade, globalização e busca incessante de uma identidade coletiva e individual (self).  “Até que a morte nos separe em nome de que?”. Em razão de uma economia ou de um romantismo em declínio? O que nos leva a escolher uma vida a dois? O que nos leva a decidir ter filhos?
Para Castells quanto mais “globais” se tornam as formas de se relacionar com o as pessoas, com o dinheiro, com as instituições, mais necessidade e conflitos encontramos na busca de uma identidade (self). Quem somos diante de tantas novas formas de ser? Se o modelo patriarcal de família é apenas um dentre outros que co-existirão por que pessoas se submeterão a relações longas e infelizes?
Os discursos sobre família nas escolas (conteúdo, práticas, material didático) continuam reproduzindo modelos irreais: ignorando as relações homo-afetivas, ignorando famílias adotivas, ignorando crenças e religiões, assim como cor, raça e etnia. É comum, nos relatos de meus alunos de graduação, a informação de que as escolas desconsideram e ignoram as novas formas de relacionamentos e proíbem o uso de imagens dos novos padrões. São típicas perguntas dos meus alunos de graduação: Como apresentar a nova família? Como eu devo agir quando uma criança diz que tem dois pais? Como representar as famílias onde só há um pai ou uma mãe por adoção ou por escolha da inseminação artificial? Como trabalhar valores de família com criança que sobre violência por parte dos próprios pais, a escola sabe e se cala?
O que interessa para educação discutir família? Discutir família é refletir sobre os padrões de comportamento. E problematizar a homogeneidade que a escola tanto impõe. E refletir sobre valores humanos. E considerar identidades diferentes.
Todo inicio de ano, vou a escola do meu filho conversar com a professora e  apresentar como é nossa família. Peço para professora usar decorações que mostre a diversidade das pessoas e das famílias, peço para que valorize as famílias cujas mães ou pais educam sozinhos os filhos. Peço para que respeitem as diferentes crenças e religiões. É um exercício que busco em minha prática como professora e são discussões que levo para os cursos de formação onde trabalho.

Concordo que a relação família escola nunca foi o que se esperava. É sempre uma idealização do que deveria ser. Por isso considero tão feliz a proposta desta discussão em sala de aula. Eu vi na postura da professora a intenção de problematizar 

Qual a relevância de se discutir a diferença na contemporaneidade?

Texto de reflexão apresentado após 9ª aula da disciplina SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO BRASILEIRA em Outubro de 2012. Profª. Dra. Maria Juraci Maia Cavalcante. Autora: Carolina Maria Costa Bernardo.

Reflexões acadêmicas...
Castells, no prólogo de A sociedade em rede, desenha um cenário mediado pelas novas tecnologias da informação e comunicação e como estas interferem nas estruturas sociais. Na 9ª aula desta disciplina, ancorada nos textos do autor acima citado, as discussões giraram em torno de muitas problemáticas sociais resultantes desta nova era, das quais quero destacar e discorrer sobre duas, entrelaçando-as no contexto da educação.
A primeira problemática tem origem na indagação desafiadora que a professora fez para turma: Qual a relevância de se discutir a diferença na contemporaneidade? A segunda, tão exaustivamente respondida em sala de aula pelos colegas, está alicerçada em uma questão amplamente discutida nos campos: acadêmico, familiar e institucional em geral: A escola está em crise? Por quê?
A razão da escolha das duas questões para o desenvolvimento desta produção escrita está na percepção de que em ambas há uma relação estrutural dentro dos mecanismos institucionais que configuram a sociedade. Não discutir a diferença enquanto categoria social é favorecer a manutenção de uma sociedade individualista, opressora, excludente, racista, classista, hipócrita, consumista, com valores ligados à acumulação de riqueza e não a humanização da vida. Papel que a escola desempenha com louvor desde sua criação na Idade Moderna.
Sabemos que a função basal das instituições sociais é o controle sobre as pessoas e sobre as relações que se estabelecem entre elas (evidentemente as relações de saber-poder - assunto muito bem explorado por Foucault nas obras Vigiar e Punir e em a Micofísica do poder). Assim, para que se efetive esta função são utilizados instrumentos sociais de controle da ordem da moral, da justiça, da educação, do trabalho, da política, enfim, dos sistemas que compõem a sociedade.
A Igreja profere o discurso Cristão (Somos todos iguais perante Deus), o Estado o discurso moderno da Igualdade (Somos todos iguais perante a Lei) e a Escola o discurso Democrático (Educação de qualidade para Todos).  Estes discursos são incorporados as práticas de coerção que usam Deus, o Trabalho, a Ciência como argumentos para justificar a existência das supracitadas instituições existentes, falseando o sentido de sua finalidade, maquiando as razões de sua função.
Estes discursos levam a práticas homogeneizadoras e higienistas, excludentes e discriminatórias, determinantes para a manutenção do capitalismo e não convencem mais. Sabemos que não somos todos iguais perante a deus nem perante a justiça; sabemos que o regime democrático é uma falácia; sabemos que a escola não é para todos e que é diferente para cada grupo. O que me preocupa, é se sabemos que as diferenças existentes entre as pessoas, sejam, racial, religiosa. de classe, de gênero (ora negadas, ora enfatizadas) são utilizadas como marcadores identitários da exclusão?
A escola reproduz conteúdos mentirosos, práticas incoerentes, discursos hipócritas, vazios, contraditórios. Como bem citou uma colega, fazendo referência a uma fala do primeiro ministro espanhol, temos hoje uma escola do século XIX, com professores do séc. XX e crianças do séc. XXI.
Voltando à questão: Por que discutir diferença em tempos de crise na escola? É preciso assumir socialmente a histórica função da escola e redefinir suas funções de acordo com a necessidade desse tempo, dessa era de revolução tecnológica e mudanças tão velozes. Para Castells as mudanças sociais são tão grandiosas como os processos de transformação tecnológicos e econômicos. E nesse contexto de mudanças confusas e incontroladas, as pessoas tendem a reagrupar-se em torno de identidades primárias e afirmarem-se enquanto Eu e/ou Nós.
Como instituição social a escola precisa começar a reconhecer as identidades primárias, discuti-las, situá-las historicamente, diferenças culturais, éticas, regionais, ambientais, sociais. Assim como deve assumir diferentes suas tarefas de acordo com o que a comunidade em que está inserida espera dela: comunicação, conhecimento científico-empírico-religioso, sociabilidade, mediação (normatização e resistência).
Não se pode olhar para a humanidade e achar que devemos todos ter a mesma escola, a mesma religião, o mesmo tipo de família, a mesma sexualidade, a mesma cor. Pensar a diversidade é pensar numa ética humanista e humanitária que valorize as unidades para fortalecer o universo maior em que elas estão inseridas dando-lhes direitos e oportunidades iguais.
Pensar em direitos iguais é pensar no bem estar social, afetivo, econômico. Não se pode achar que ter direito a matar alguém é salutar. Pois tirar a vida de uma pessoa fere a todos os princípios da ordem da Norma em todas as culturas e religiões.

Não podemos continuar oferecendo para a classe média uma escola que apenas prepara seus filhos a manter o conforto e o padrão de vida que permita o consumir às custas de empregos públicos. Não podemos continuar a oferecer uma escola para a burguesia que apenas prepara seus filhos para como produzir riqueza e explorar o trabalho. Assim como, não podemos mais oferecer para o povo, assalariados, os pobres, os pretos, uma escola que os ensina apenas a sobreviver a custa de uma opressão silenciada. A escola não é mais garantia de sucesso, de educação, de saber que oportuniza igualdade de oportunidades. Os discursos são falácias questionadas desde a educação infantil por crianças, adolescentes, docentes e discentes. 

Repete, por favor, porque não entendi.

Texto de reflexão apresentado após 8ª aula da disciplina SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO BRASILEIRA em Outubro de 2012. Profª. Dra. Maria Juraci Maia Cavalcante. Autora: Carolina Maria Costa Bernardo.


Quando entrei em sala fui surpreendida com a presença de um músico convidado que estava dizendo a seguinte frase: o samba é europeu. Continuou explicando sobre o conceito de Tonal para justificar a absurda informação e em seguida compartilhou os conflitos que vivenciou na música quando decidiu estudar um instrumento genuinamente europeu. E concluiu: não devemos nos envergonhar quando queremos assumir nossa europeização.
Confesso que demorei a entender a lógica daquele discurso e onde, de fato, o músico queria chegar. Sabrina Linhares, nossa colega de turma, que estava se apresentando com ele fez algumas perguntas na continuidade que ajudaram a compreender melhor a razão da defesa surreal da origem eurocêntrica de alguns instrumentos, sons e estilos. Qual a origem das coisas? Quem copiou quem? Qual a origem do tambor e do pífano? Em seu texto apresentado nesta aula Sabrina afirma:

“Nossas raízes musicais foram formadas pelos apitos, chocalhos e tambores indígenas, pelas flautas e clarinetas jesuíticas, pelos pífaros e rabecas que nasceram das mãos nativas que admiraram as flautas transversas e violinos dos colonizadores, pelos pianos e acordeons dos mais abastados, pelos coros sagrado e profanos, pelos metais do sopro das bandas familiares comunitárias, pelos trios de ‘arrastapé’ (sanfona, zabumba e triangulo), pelos violões e pandeiros populares, pelos tambores dos escravos no trabalho e libertos na música.”

Considero relevante a tese que as culturas se interligam e que há muitas dúvidas sobre a origem genuína de muitos aspectos da história universal. Nessa lógica, se não podemos afirmar a origem africana e indígena porque podemos afirmar a origem européia? Por que na citação acima não estão citadas as contribuições dos instrumentos ligados a áfrica? Ou será que a referência ao negro se faz na citação escravos no trabalho e libertos na música”. Por que diante de tantos predicados positivos ligados aos sujeitos de nossas raízes na citação acima o adjetivo escravo tem que estar ligado aos negros? Não será esse um exemplo da ideologização que tantos discutimos em sala? Será que a universidade ainda não entendeu que escravização é uma condição social imposta e não uma condição natural dos negros africanos?
Enquanto universidades do mundo questionam e problematizam a imposição de uma ciência eurocêntrica o Brasil insisti em afirmar as mentiras contadas e recontadas e se nega a desenvolver uma postura crítica frente a esta ciência e ideologia nos campus assim como se nega a reconhecer como ciência as diferentes formas em outras culturas de se fazer conhecimento.
A questão não é negar nossa europeização. Tampouco hipervalorizar apenas as raízes indígenas e africanas em nossa formação. A questão é denunciar a forma como os europeus se apropriaram do patrimônio histórico cultural de nações como a África, Ásia e América. A questão é reescrever nossa história e a do restante da humanidade que foi contada a partir de um viés ideológico. Não se pode simplesmente continuar acreditando na excepcionalidade européia no tocante a criação dos valores como a democracia, a liberdade, a igualdade de direitos, bem como os conceitos civilizatórios de instituições como a família, a escola, o estado, a universidades. Não podemos continuar endossando uma superioridade cultural e ignorando as realizações de outras formas de sociedades, que também desenvolveram estes conceitos como ilustrou a professora citando Jack Goody e o livro O Roubo de Nossa História.
Concordo com Sabrina Linhares quando esta afirma que precisamos saber de onde viemos para saber para onde vamos. Essa é a questão, esse é nosso grande desafio. Buscar a ancestralidade como herança cultural, nossa identidade histórica. E para isso é preciso desorganizar as coisas que a gente já sabe e deixar de acreditar em tudo que foi escrito como obediência. 

Qual a missão de nossa educação?

Texto de reflexão apresentado após 4ª aula da disciplina SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO BRASILEIRA em Outubro de 2012. Profª. Dra. Maria Juraci Maia Cavalcante. Autora: Carolina Maria Costa Bernardo.


Reflexões acadêmicas...
Nesta aula, dedicada à apresentação do seminário, a equipe iniciou com a exibição do filme A missão, de Rolland Joffé, indicado ao Oscar em 1987, ano em que eu cursava a 1ª série do Ensino Fundamental e provavelmente ouvia de minha professora a lição: Quem descobriu o Brasil foi Pedro Álvares Cabral.
A equipe estava ali com o objetivo de compartilhar com a turma um fato: a Guerra Guaranítica. E o fizeram a partir de uma escolha, recontaram pelo mesmo viés e fontes que minha professora há 26 anos consultava. Não falo apenas do livro utilizado, falo de uma ideologia, de um conceito, de um paradigma:
O eurocentrismo é um paradigma que, como todos os paradigmas, funciona de maneira espontânea, com freqüência sob o aspecto vago das evidencias aparentes de sentido comum. Por isso se manifesta de maneiras diversas, tanto na expressão dos preconceitos trivializados pelos meios de comunicação como nas frases eruditas dos especialistas de diversos domínios da ciência social. [1]
 Durante a explanação dos colegas (e inspirada com as leituras de Antoine Proust sobre o tempo da história e a história do tempo) algumas questões surgiam para reflexão: Como seria nossa história contada e transmitida em livros pelos próprios índios? O que eles nos diriam sobre as ocupações, os conflitos, as missões? Como seria nossa vida hoje se nossa história fosse contada por quem perdeu as batalhas?
Cheguei a perguntar ao colega Vinicius, integrante da equipe, se havia no livro de base para o seminário, evidencias sobre como pensavam os índios acerca dos conflitos e invasões e ele disse-me que há registro de cartas escritas pelos próprios indígenas convertidos, estas cartas foram exploradas como fontes e dados históricos, como foram com os diários dos jesuítas.  
No filme A missão a ênfase é dada aos conflitos que envolvem os índios guaranis e as tropas espanhol-portuguesas e ao drama vivido por um violento mercador de escravos indígenas cujo arrependimento pelo assassinato de seu irmão o converte um em missionário jesuíta. Há uma visão romântica sobre o papel das missões jesuíticas e o reforço das ideias de Darcy Ribeiro cuja análise aponta as missões como um lugar de refúgio e abrigo aos povos indígenas contra a violência que sofriam. Compreendo os jesuítas como europeus colonizadores e as missões como instrumento do colonialismo. Inquieta-me o fato de um dos principais líderes guaranis - Sepé Tiaraju - não ser evidenciado no filme.
Para Proust (2008) o tempo da história é, precisamente, o das coletividades, das sociedades, Estados e civilizações. Trata-se de um tempo que serve de referência comum aos membros de um grupo. O autor enfatiza que o tempo da história esta incorporado, de alguma forma, as questões, aos documentos e aos fatos.
Por esta razão, é interessante considerar que um fato social como a Guerra Guaranítica envolve múltiplos personagens, de diferentes grupos, com interesses variados. Entretanto os documentos privilegiam uns e não outros. A história mostra é que os fatos são pequenos frente as suas interpretações.
Vejamos o exemplo do Sítio do Cumbe, o fato: a construção de usinas eólicas. Os documentos oficiais mostram uma realidade positiva para o município e para o país enquanto que os moradores contam que os avanços não beneficiam a comunidade. Em todas as escolas e notícias somos informados que a energia eólica é uma energia que só traz beneficio para os brasileiros. Se a versão dos moradores do sítio do Cumbe não chegar aos documentos, somente uma versão será a história oficial. A versão daqueles que com o aval do governo brasileiro exploram nossas riquezas será levada aos livros, às escolas, as grandes mídias, e assim, vamos formar milhares de crianças acreditando e defendendo uma usina que também traz malefícios para as comunidades sem muitos recursos econômicos.
Quem faz ciência na área de humanas não deixa de fazer história. Não somos historiadores, mas classificamos acontecimentos na ordem do tempo, registramos falas, atos, discursos, práticas e etc. E essa era minha preocupação durante a apresentação dos meus colegas. Por que estavam recontando a mesma história sem nenhuma crítica mais aprofundada? Por qual razão continuamos passivos diante das bibliografias oferecidas para estudo?
Concluo estas reflexões com a fala do professor Botelho na palestra de abertura do semestre: Nós, professores e pesquisadores, precisamos fazer novas perguntas que desafiem não só  os alunos, mas nós mesmos. Sair da zona de conforto das respostas prontas e eliminar as resistências diante respostas que desconstruam as velhas verdades.




[1] AMIN, Samir. O Eurocentrismo: Crítica de uma ideologia. tradução [de] Ana Barradas. Lisboa: Dinossauro, 1999. (pág. 08) Grifo meu.

O passado em livros e compêndios (A construção social, política e cultural do Brasil)

Texto de reflexão apresentado após 2ª e 3ª aula da disciplina SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO BRASILEIRA em Outubro de 2012. Profª. Dra. Maria Juraci Maia Cavalcante. Autora: Carolina Maria Costa Bernardo.

“Se somos livres no coração, não haverá correntes feitas pelo homem com força suficiente para sujeitar-nos. Mas, se a mente do oprimido é manipulada (...) até o ponto dele se considerar inferior, não será capaz de fazer nada para enfrentar o seu opressor”. (Steve Biko)

As reflexões decorrentes das duas últimas aulas perpassam algumas categorias que emergiram da leitura das obras de Prost (2008), Hill (2003) e Azevedo (2010) assim como, e mais precisamente, das vozes manifestas no espaço quase circular, estabelecido como universo da “troca de saber”. São elas: a Origem da História ou a História do Tempo, a Bíblia, o Conhecimento e a Formação do Brasil.
A compreensão de que “ler não é uma ação inocente*”, e nem tampouco deve ser passiva, colocou-me diante dos textos de forma questionadora. Assim como a exposição de alguns pontos de vistas que provocaram inúmeras inquietações positivas para o aprendizado. Mesmo estando diante de um contexto que se fez áspero para mim, as rugas me impulsionam a pensar mais verticalmente e a buscar compreender o que está para além do dito e do escrito. Como se diz poeticamente, compreender o que está nas entrelinhas. E nessa tentativa, o presente ensaio expõe as ideias de forma interrogativa e reflexiva.
Quem lê no Brasil? O que lemos? Com que freqüência? Em uma rápida pesquisa no Google, encontro uma notícia no site o Estado[1], que outrora já havia lido, da qual revela que a população leitora no País diminuiu.
Enquanto em 2007 55% dos brasileiros se diziam leitores, hoje esse percentual caiu para 50%. Cerca de 80% dos brasileiros jamais pisaram em uma biblioteca e dos 197 escritores citados pelos entrevistados, os mais lembrados foram Monteiro Lobato, Machado de Assis, Paulo Coelho, Jorge Amado e Carlos Drummond de Andrade. Já os títulos mais mencionados foram a Bíblia, A Cabana, Ágape, O Sítio do Pica-pau Amarelo - que não é exatamente título de nenhum livro de Lobato - e O Pequeno Príncipe. Crepúsculo, Harry Potter e O Monge e o Executivo também aparecem na prateleira dos leitores brasileiros.
Uma pesquisa da UNESCO, apresentada no Jornal da Band este ano, feita com 52 países, aponta que o Brasil tem um dos piores índices de leitura e compreensão de texto (47º lugar). Ler não é um hábito comum para a maioria dos brasileiros e uma breve análise dos livros mais lidos evidenciam que tanto os autores quanto os títulos escolhidos são os mais amplamente divulgados pela mídia em geral. Exceto a bíblia.
Quem nos coloca diante do primeiro, do segundo, do terceiro livro? Arrisco-me aqui a dizer que a escola, a família, a igreja e as grandes mídias (TV, jornais e revistas) são as instituições apontam opiniões os tipos de leitores. E quais são os princípios ideológicos que estão alicerçados em cada obra e autor citado acima. Quais os princípios estão por traz de instituições de poder que ajudam a colocar a Bíblia na estante dos brasileiros e no ranking como livro mais lido do mundo?
Na medida em que me pergunto sobre a leitura, naturalmente me vem questões sobre a produção e divulgação dos livros e do conhecimento. Se há livros, há leitores e produtores. E os responsáveis pela produção e divulgação do conhecimento são os mesmo responsáveis pelas instituições de poder. E infelizmente, para mim, essa discussão não chegou a nossa sala de aula. E eu até pensei em falar, mas escolhi calar.
Lembro-me de quando fazia graduação, inflamada pelos estudos marxistas, eu repetia o bordão: “a escola é o lugar da apropriação do conhecimento produzido historicamente pela humanidade”. Na pós-graduação, cansada de repetir os jargões acadêmicos e despojada da vaidade que faz alguns querer ser aplaudido pelo domínio e acúmulo do “conhecimento historicamente produzido pela humanidade”, eu resolvi fazer a pergunta: Mas quem é essa humanidade que produz conhecimento? Que conhecimento é esse produzido pela humanidade? Serão os produtores de conhecimento (aquele reconhecido nos livros) os detentores do saber ou do poder? Serão aqueles que não produzem livros alienados do saber ou apenas do conhecimento sistematizado?
Wesseling (2008) no prefácio do livro Dividir para dominar disse que para compreender a partilha da áfrica foi preciso ouvir muita gente e que não é possível aprender apenas nos livros. Por esta razão eu não escolho o livro, nenhum deles, como superior a qualquer outro tipo de instrumento do saber. O livro é, como a experiência, a interação entre os sujeitos, a espiritualidade, enfim, um caminho de acesso ao saber. Como, infelizmente nossa cultura o coloca no topo da hierarquia, quem não o domina, está à margem.
Em sala de aula, “falamos” sobre a Bíblia como livro mais vendido de todos os tempos (mais de seis bilhões de cópias em todo o mundo), mas não “falamos” da Bíblia como um instrumento de poder.  Pessoas têm a bíblia, mas não a lêem, não têm acesso ao que significa. Reproduzem.  Poderíamos continuar lendo em latim, como conta nossa história da educação. Pois o significado das suas escrituras poucos são os que acessam e significam. Assim se deu nossa formação no Brasil. Poucos lendo e interpretando para a maioria. O país que não lê, mas que repete os pensamentos de quem produz os livros e de quem ocupa o espaço de saber-poder. O país que classifica hierarquicamente a superioridade de uns sobre os outros.
Há espaço para questionamento dos tais escritos nas salas de aula? Aprendemos que perguntar ofende. Mas como construir espaços de saber sem levantar a dúvida? Se não perguntamos como podemos criar o pensamento reflexivo? Será que precisamos queimar livros, destruir escolas, e falar tupi guarani para questionar as verdades estabelecidas? Fui obrigada a ler livros que não me acrescentaram em nada.  Fui à escola, por 15 anos ouvir histórias que não me interessavam e ainda não podia perguntar e mostrar que tinha dúvidas e incertezas sobre as Verdades apresentadas.
Considero interessantes as últimas questões levantadas na 3ª aula de Educação Brasileira que me tiraram do lugar comum e levaram-me a investigar, pensar, buscar resposta: A escola é necessária? Por quê? Para que?  Para quem? Para o sucesso? E que tipo de sucesso?
Vejo a escola/universidade como lócus de apreensão de uma sistematização necessária, e não única, do conhecimento. Essa apreensão foi muito bem ilustrada pelo colega João que disse que nestes espaços foi buscar o “credenciamento” para dar voz as suas pesquisas e pensamentos: “Cansei de ser o sujeito de pesquisa e quero ser o agente, o pesquisador.”
Estou cansada de ouvir a mesma história. Jesuítas? Portugueses? Escravidão? Descobertas de territórios? Desde a escola do primeiro grau (atual ensino Fundamental) ouvimos as mesmas coisas. E a história do Capitão Mouro (Aliás, os Mouros eram africanos, não é verdade?) que nunca foram citadas nos livros didáticos? E a organização, cultura das civilizações não-européias? E sobre a riqueza/valor de outros ritos e tradições? Concordo com Lévi-Strauss[2] (1952, pág. 01) quando afirma que:
“nada, no estado atual da ciência, permite afirmar a superioridade ou a inferioridade intelectual de uma raça em relação à outra, a não ser que se quisesse restituir sub-repticiamente a sua consistência à noção de raça, parecendo demonstrar que os grandes grupos étnicos que compõem a humanidade trouxeram, enquanto tais, contribuições específicas para o patrimônio comum.”
A produção de nossa história conta que evoluímos da selvajaria à civilização, passando pela barbárie. O projeto civilizatório cristão dos Jesuítas e sua pretensão universalista (como vimos nas duas últimas aulas) reforçam a ideia de superioridade de uns sobre o outro, assim como ilustra como ajudaram a docilizar os indígenas. Através da sedução destruíram um povo e sua tradição. E vejo esta sedução, como forma de conquista, uma violência, tanto quanto é o estupro.
Os críticos de Nagle, Azevedo e Freyre afirmam que seus textos contribuem para a compreensão de uma visão romântica sobre o processo de formação/construção do Brasil. Li Azevedo com muita inquietação pois não acredito nas versões que colocam que as relações entre índios, negros e brancos se deram de forma harmoniosa, pacífica, cordial. A sedução, a bíblia, o livro, a escola foram instrumentos civilizatórios, na maioria das vezes, violento e opressor.
É comum encontrarmos nos texto de história a relação Jesuítas-cientistas-humanistas versus os Negros e Índios como os selvagens. Uma arriscada análise do discurso na obra de Azevedo me faz perguntar: Será que a escolha de cada palavra desta está livre de uma ideologia? Não terão cometido nenhum ato de violência esses filhos de Deus em nome de uma educação que não era solicitada? Não foram selvagens em suas ações? Não seriam os negros e índios também cientistas? Não há neutralidade onde se produz conhecimento. Cada palavra escolhida para o discurso é carregada de valor moral, ideológico, social.
Uma coisa é o João buscar a “escola” para chegar ao “sucesso’. Outra bem diferente é a “escola’ ir para onde não sabem nem o que ela representa. Substituímos a educação religiosa pela científica com a escola nova. Para a larga história isso foi ontem e por esta razão ainda vemos pelos corredores acadêmicos professores carregando suas bíblias debaixo do braço.
Concordo com a professora quando disse que é importante “não ver o passado de modo simplificado*”. E nem ver do mesmo modo, penso eu. Mudar a perspectiva do olhar, questionar, é essa postura de uma educação libertadora. E respondendo a pergunta feita em sala, entre o poder do sucesso ou poder da liberdade de escolha eu fico com a última.




[1] Maria Fernanda Rodrigues - O Estado de S.Paulo, 28 de março de 2012
*As frases entre aspas com asterisco correspondem às falas da Profa. Dra. Maria Juraci
[2] Raça e História é um ensaio de antropologia de Claude Lévi-Strauss, publicado em 1952 na França, pela Unesco.

Por uma matriz curricular que inclua as populações negras

Texto de reflexão apresentado à disciplina SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO BRASILEIRA em Outubro de 2012. Profª. Dra. Maria Juraci Maia Cavalcante. Autora: Carolina Maria Costa Bernardo


Reflexões acadêmicas...
Depois de dois anos volto à sala de aula – como aluna - com muitas expectativas. Logo após o mestrado, trabalhar como professora do ensino superior (graduação e pós-graduação) colocou-me frente a inúmeros desafios e questionamentos quanto ao devir docente. Voltar à sala de aula após essa longa experiência é uma oportunidade de realizar a práxis em meu campo de atuação e isso me deixa bastante motivada. Ansiosa, deveras. Entretanto, a ansiedade decorre da curiosidade latente de conhecer o novo e o velho.
Ocupar um lugar no programa de pós-graduação, como doutoranda é ocupar “O lugar da incerteza, da insegurança... e esse é o lugar do professor.”, como bem pontuou a professora Juraci Cavalcante. Saio então da minha zona de conforto em busca de luz e conhecimento. Navegar por esses mares oficiais do saber-poder assusta ao mesmo tempo, encanta.
Enquanto esperava a professora chegar, eu pensava sobre o caminho a ser traçado nos próximos quatro anos, a forma como as carteiras estavam organizadas, observava as pessoas esperando, me perguntava sobre tudo e todos os presentes. Depois de esperar por quase uma hora, vejo entrar a professora em meu campo visual de análise e provavelmente de todos os alunos. Observo-a entregar a proposta temática impressa e brincar sobre seu nervosismo diante da turma de quase 40 alunos. Neste momento senti a conexão da empatia.
Observei sua postura, sua gerencia sobre o tempo, a organização e a sistemática da disciplina. Ouvi atenta sua palavra, a clareza e honestidade com que se coloca e expõe seu pensamento e a humildade inspiradora de reconhecer a todos como valor que emerge da diversidade do pensamento. Mas tão logo não me vi reconhecida na proposta temática do Seminário da Educação Brasileira, inquietei-me.
Da explanação das temáticas destaco três momentos cuja discussão reverberou por toda a semana em meus pensamentos: 1) O viés conceitual da disciplina; 2) As reflexões resultantes das falas daqueles que ousaram se colocar e 3) Os tópicos que perpassaram a discussão e me agradaram de imediato, como a Morte, a “Pedagogia da Arenga” e o passeio para a Serra da Capivara.
Quando ouvi “vamos conhecer nossa ancestralidade européia” no início da apresentação da proposta temática confesso que me assustei. Primeiramente por nunca antes ouvir menção a essa categoria. Seria uma categoria conceitual da história, sociologia, antropologia?  Ouvi atentamente, acompanhando a bibliografia impressa e percebi que aprenderei nesta disciplina a versão eurocêntrica e judaico-cristã do conhecimento, da escola, da educação e da formação cultural do Brasil.
Não falo com desdém e nem desrespeito. Pois se trata da história de formação do Brasil, se trata de história universal e eu preciso aprender. É importante dizer que respeito o lugar de onde fala a professora, suas escolhas, sua referência teórica, sua experiência. Contudo, apresentada a proposta me perguntei: E a ancestralidade africana? E a indígena? Deveria perguntar? Deveria ficar calada? Deveria compartilhar que não me sentia incluída (enquanto negra) mais uma vez ou ver ser prestigiada uma ciência que nega e desconsideram outras tantas.
Durante todo meu histórico escolar até o mestrado tudo que ouvi sobre negros é que foram “escravos” (povos negros escravizados) e sua contribuição para a culinária e capoeira. Eu sinto fome e sede de conhecer mais. Eu sou descendente de um povo que tem história. Um povo que dominava técnicas de agricultura, mineração, ourivesaria e metalurgia e tinha conhecimentos de astronomia e de medicina que serviram de base para a ciência moderna.  Infelizmente, a imagem que se tem da África e de seus descendentes não é relacionada com produção intelectual nem com tecnologia. Ela descamba para moleques famintos e famílias miseráveis, povos doentes e em guerra ou paisagens de safáris e mulheres de cangas coloridas.

Sei que conhecer essa história negada depende de mim. Mas, me sentiria feliz de ser contemplada numa matriz curricular. Um colega na sala de aula foi feliz quando compartilhou seu pensamento: precisamos conhecer profundamente a história européia para entender o que ela fez com nossa história africana. A professora diz: precisamos descobrir um novo jeito de compreender nossa realidade, compreender as culturas de forma integrada (internacional), portanto incluir a todos. Nesta colocação me senti contemplada. E senti que iremos vivenciar um espaço de grandes descobertas. Conhecer é sempre desafiador. Vamos à pedagogia da arenga que provoca e inquieta a nos levar ao caminho das dúvidas e incertezas.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

A Casa da Água

Resenha do livro A Casa da Água de Antonio Olinto
Carolina Maria Costa Bernardo

Escrita em 04 de Novembro de 2013

A Casa da Água narra 70 anos do cotidiano de seis gerações de uma família negra no contexto de África-Brasil-África entre os anos de 1898 e 1968. O livro apresenta uma cronologia dos personagens, uma nota editorial sobre o autor e outra sobre a obra, por Adonias Filho. Está dividido em quatro partes: 1) A viagem, 2) O marido, 3) A casa da Água e 4) O grande chefe. São 369 páginas de intensas descrições, poucos diálogos, longas orações na 3ª pessoa de um narrador que conhece interiormente os pensamentos de nossas personagens femininas e compartilha de forma generosa, envolvente e desafiadora. Os longos períodos descritivos pesam nas páginas iniciais, mas logo que nos familiarizamos com as personagens, ganhamos fôlego para inspirar e expirar as vidas ali apresentadas.
Olinto utiliza o Oriki como recurso estilístico na voz de Mariana: “Ó marido de membro quente que me faz gozar tanto. (...) Ó água que chegas para todos nós, que sejas sempre abundante e tragas felicidades para a dona do poço”. Não há uma atenção especial às descrições dos aspectos físicos das personagens. Não se percebe o uso de adjetivos que exaltem a beleza dos personagens, apenas com Emilia e Fadori este recurso é utilizado. A atenção e dada aos costumes, as memórias, ao cotidiano, as emoções, ao movimento. As reflexões de Mariana revelam que na África ela não percebe que beleza seja atributo tão valorizado com no Brasil.
Uma surpresa ao ler a Nota Editorial sobre o autor, depois do encantamento por tão célebre carreira, foi descobrir ao pesquisar no Google, que Antonio Olinto não era negro. A imagem criada durante a leitura da biografia, não foi correspondida ao ver algumas fotos daquele premiado pela obra “centrada na epopeia de uma família de negros brasileiros” que decidem voltar a África e conhecido por discutir a questão racial negra em várias cidades dos Estados Unidos, Londres, Lagos. Confesso uma sutil frustração (ou seria preconceito) com esta descoberta. As expectativas criadas antecipadamente sobre o pioneiro da ficção cientifica no Brasil que interpretou com maestria o cotidiano de uma família negra que retorna a áfrica foram de um homem negro.
Feita a primeira pesquisa e confirmando a cor que em nenhum momento é citada em nota editorial (se fosse negro, provavelmente, o atributo da cor antecedesse os predicados: crítico erário, jornalista, poeta, professor universitário), segui com a leitura, não menos atenta, nem menos interessada. Contudo, curiosa: pode um homem branco conhecer a alma do negro africano, do negro brasileiro, e do negro brasileiro que volta para a África? Seria ele diferente de Gilberto Freyre? Possivelmente, já que as indicações da obra vieram de intelectuais negros que a apontam como excelente interprete.
A obra, publicada em 1969, traz aspectos da vida do autor: Zora, a esposa é citada como uma jornalista que entrevista o jovem Fadore; Piau, a cidade natal de sua mãe. Minas Gerais, Rio de Janeiro, Lagos, Londres, são lugares por onde Antônio Olinto viveu. Traz também fatos históricos e contextos distintos da história do Brasil, da Nigéria, Togo, Benin e do mundo. Muitas cidades reais, outras fictícias. Muitos personagens citados são reais na história o que nos faz indagar sobre quais os limites entre a ficção e os fatos reais. Existiu Mariana? Existiu Catarina? Existiu o navio Esperança? Existiram as cartas? Existiu a casa da água. Existiu Sebastian Silva?
Em outra pesquisa descubro que Sebastian Silva foi inspirado no personagem histórico Sylvanus Olympio, presidente do Togo, que era descendente de brasileiros e que foi assassinado. Mas para outros personagens, se existiram ou não, a obra nos remete a uma realidade cultura e social muito próxima do que existiu na Bahia e na Nigéria do final do século XIX até meados do século XX.
Foram alguns dias de intimidade com Mariana, personagem de destaque entre os quase 100, e as relações que se estabeleceram em torno dela nos territórios geográficos - e subjetivos – de lugar, de identidade, de cultura e de gênero, nos permitindo acompanhar os estágios de algumas vidas, entre o nascimento e a morte. Nos dias de leitura, sonhei com Mariana como se eu fosse ela, e outras vezes, como se ela fosse qualquer mulher de um passado histórico da qual pertenço. A obra nos faz refletir sobre muitas questões que constituíram as sociedades onde houve a colonização européia e a escravização do negro, e para além disso, nos aproxima intimamente do universo – negra – feminino e das questões identitárias do ser afrodescendente.
Na trama são apresentadas as personagens: Catarina, a avó nascida em Abeokutá, Nigéria, África; Epifânia, a mãe e Mariana, a filha, ambas nascida em Piau, Minas Gerais, Brasil. Três mulheres negras que deixam Piau, passando pelo Rio de Janeiro, Bahia, para chegar do outro lado do oceano e realizar o desejo da avó de retornar a terra de origem onde nascera Ainá e fora vendida pelo tio para ser escravizada no Brasil,onde ficou por quase 60 anos sem esquecer de África. Mariana tem dois irmãos, Emília e Antônio, personagens secundários na narrativa, que também embarcam e compõe o núcleo familiar dos Santos - sobrenome do dono da fazenda, escolhido por Catarina após ganhar liberdade e precisar de um sobrenome.
Os esclarecimentos sobre cada personagem são dados amiúde e entre longas páginas. Nas primeiras você é informado sobre Piau, desconfia que seja é MG, mas somente na página 47 descobre que a cidade fica em Minas Gerais.  Demora até nos situarmos acerca do tempo histórico de Catarina e Mariana. Na página 36, aprendemos com Mariana que vai a escola, que os tempos vividos na Bahia era a primeira república: “a professora dizia que a republica melhorara o Brasil, recitava poemas de castro Alves que falava em navio negreiro e em escravos, ficou sabendo que José do patrocínio lutara contra a escravidão.” Muito pouco é dito com objetividade, era tempo do governo de Floriano Peixoto. Uma obra que suscita pesquisa e ajuda a esclarecer o contexto de um Brasil e de uma áfrica. Ao final da leitura me ocorreu procurar as cidades citadas no mapa. Se me ocorrera isto no início a compreensão dos eventos históricos se daria de forma mais acessível. A obra é uma ficção, mas poderia ser o retrato de um tempo histórico, utilizado como livro didático nas escolas ao invés do que temos.
Catarina, ao embarcar do Rio de Janeiro para Bahia, inicia o trânsito entre seu passado e seu futuro na memória do corpo, com lembranças de uma vida na África e da violência sofrida depois que é vendida. Na Bahia as personagens ganham vida e a narrativa se torna então muito interessante. Em torno do Mercado, passam dois anos  a ser reconhecer em cada rosto negro, na religiosidade, nas histórias contadas com a chegada de cada barco, na linguagem, “uma palavra em português, outra em ioruba”.  O cotidiano na barraca, nas reuniões, festas, candomblé, missa, os trajes, os comportamentos são descrito com muitos detalhes e precisão que torna possível observar a construção do sentimento de pertencimento e identidade da avó e de Epifânia.
À Mariana é dada muita liberdade por sua mãe e avó (o que parece um traço das personalidades matriarcais femininas). Ela então aproveita e se movimenta, olha tudo sempre com atenção. Ri, ri muito, ri de tudo e de todos. Observadora repara nos detalhes dos gestos, nas falas, nos comportamentos. Percebe os territórios, relaciona quantidades entre negros e brancos, e as relações de poder - não de forma explicita e consciente, mas na forma como questiona, como pensa diante do que vê. Mariana é muito próxima da avó, uma ligação em que se reconhece, se identifica com as experiências promovidas pela avó.
Quando acompanha a mãe, apenas observa, descreve sem muita empatia, muita interação. Parece transitar bem entre as experiências proposta pela avó e pela mãe: no seu pescoço o uso da medalha do senhor do Bonfim dada pelo padre e das contas amarelas dadas pela mãe é exemplo disto. A mãe e declaradamente católica. Enquanto a avó dos terreiros. Há muita cumplicidade e respeito entre mariana, a avó e a mãe. Mariana não questiona as orientações das pessoas mais velhas. Apenas diz sim. Mas pergunta quando tem  curiosidade de entender. Sempre disposta a aprender coma a mãe e com a avó, ouve com atenção cada ensinamento internalizando-os. Não são dizeres vagos, são falas que dão sentido e significados aos comportamentos e condutas morais que edificam a personalidade de Mariana.
Depois de dois anos na Bahia, Catarina consegue um barco a velas e segue com a família por longos dias durante seis meses no veleiro Esperança. Ouvimos os medos de Catarina e Epifânia: O que deixam na Bahia? O que encontrariam em Abeokutá. Nada, no entanto, dito em voz alta. Entre as mulheres desta epopéia percebemos que apenas dizem o necessário, o silêncio é sabedoria. Neste barco são traçados os destinos  de uma serie de pessoas que se tornam “parentes”, uma comunidade fraterna em Lagos. Sobre o oceano atlântico assistimos a transição de Mariana, a simbologia de um rito de passagem. O corpo se modifica, os olhos se aquietam no mar, deixa de ser menina e torna-se moça, sangrando ao chegar na África.
Em lagos, se adaptam facilmente e recomeçam pelo trabalho no mercado (como na Bahia). Não há muito estranhamento. Sentem-se como na Bahia. Exceto Epifânia. Mariana vai para escola de freiras, a família passa a freqüentar regularmente a missa, o contato com diversas línguas faz Mariana apreender os idiomas falados em cada território onde circula, torna-se professora.
Morre Catarina, Nasce Ainá e logo morre Ainá.  A partir de então Mariana torna-se mulher. Casa-se, tem dois filhos e fica sozinha, com a partida do marido para Europa para fazer dinheiro. Para mariana o trabalho estava em qualquer lugar, não julgava o marido, mas lamentava. Tem um sonho que se repete, compra uma casa, constrói um poço, se torna vendedora de água, comerciante em Togo, Nigéria, Benin, chefe de família, sinhá, dona mariana. Torna-se uma mulher financeiramente rica e com ela, em seu entorno, prosperam muitas pessoas que estavam no Esperança. Sebastian, o marido, depois de anos retorna e encontra a mulher. Não se envergonha, não se sente inferior. Entra nos negócios e se envolve. Não se percebe machismo. Lembro de uma fala de Mariana que diz que Sebastian havia nascido para trabalhar para o outro. Logo morrre, de morte matada, como não se devem morrer os jovens. Deixa no ventre de sua mulher um novo filho.
São três os filhos. Crescem e estudam em territórios diferentes.   Os dois primeiros vão para Londres, o terceiro para Paris. Orientação do Sacerdote Ifá. Envia os filhos para Europa Ela dá aos filhos, com consciência, a escola dos branco, os idiomas, os livros e uma religiosidade católica-umbandista como uma referencia. De Londres voltam Joseph, advogado e Ainá, médica, ou como ela mesma diz, uma curandeira diplomada. De Paris volta Sebastian, o professor, líder político e grande chefe. Os filhos vão e retornam para fortalecer uma África ainda sob domínio europeu.
Para Mariana, aos pais caberia oferecer as melhores oportunidades aos filhos, e instrumentalizá-los para mudar as coisas. Quando a mãe pergunta se não deveriam voltar ao Brasil, a dona da Casa da Água diz: “não estamos mais no Brasil, isto aqui é África , acho tolice  essa mania da gente ficar presa as coisas antigas.  (...) os mais novos se afastarão por completo do que a gente faz . eles todos serão africanos.”
Nas cartas que os filhos escrevem de Londres e Paris, nenhuma relata racismo ou qualquer conflito existente. O romance não retrata a relação entre negros e brancos. Esse tema não é discutido com afinco como em Casa grande e senzala. A primeira (e única) experiência sexual com de Mariana com homem branco, o professor Frances, evidencia que até os seus 30 anos não havia experimentado tanta proximidade. Ela estranha a presença do corpo branco. E o casamento de Antonio com Elizabeth, uma inglesa. No mais, apenas nas negociações comerciais e políticas havia algum tipo de contato.
Certo mal estar surge com a liberdade atribuída as mulheres negras sobre seu corpo e sua sexualidade. O estranhamento que me faz indagar se tem elas uma liberdade sobre seu corpo e sua sexualidade ou a elas é atribuído esse valor? Qual será a concepção de mulher negra para Antônio Olinto, home branco. Será que apenas descreve o que observa. As descrições de Epifania com o homem que fez filho nela, fez sexo com um negro sob a escada, a relação com com o padre... homens que se apropriam apenas do corpo da mulher para o beneficio do sexo. O sexo, aprieira experiência, era esperado com desejo e sem culpa por Mariana. Que por decisão própria escolhe ser depois do casamento, diferente de Emília que decide. Tive, em muitos momentos a sensação de ver a mulher negra sempre disponível e disposta ao sexo sem culpas, sem restrições, muitas vezes sem afeto. O sexo como a penetração de um membro em suas vaginas.
Uma consagração para mim foi ver o aconselhamento religioso de Ifá para que mariana não se casasse novamente. Apenas ter homem para o sexo, para companhia. O que de fato, ela faz.
Ah Mariana, são muitas as descobertas em sua companhia. Tenho certeza que estará em meus pensamentos como referencia de uma mulher do seu tempo, que respeita o passado e vislumbra um futuro diferente e melhor. Ela me fez chorar, rir, refletir. O único momento que vi Mariana ir contra a liberdade, é quando descobre o relacionamento amoroso do filho com outro homem e interfere decididamente para que seu filho faça outra escolha, por uma mulher com quem possa ter filho.
Mariana pergunta: Nós somos brasileiros ou africanos? Para mim está é uma grande questão de pesquisa? Como se sentem hoje os negros com consciência de sua ancestralidade? A avó Catarina vai  áfrica em busca de suas origens e faz a família reconhecer  e afirmar a origem brasileira. São africanos descendentes de brasileiros.