DO ESTRANHAMENTO DO CORPO
Um estudo sobre identidade, corpo e
deficiência na escola
Investigar os significados atribuídos ao corpo e ao corpo com deficiência no contexto de uma escola pública da rede municipal do Ensino Fundamental, que já tenha a experiência de inclusão de alunos com deficiência foi o objetivo desta pesquisa.
Problematizou-se, aqui, o estranhamento que surge nas relações com os corpos “desviantes” no contexto de uma cultura escolar e como tais significados atribuídos a estes demarcam a(s) identidade(s) desses alunos e como eles próprios e seu ambiente reagem a sua presença na escola. Algumas questões de pesquisa são levantadas como pontos de partida nesta investigação: Como se manifestam corporalmente os alunos no interior da escola - em sala de aula e no recreio? Como a aparência, o movimento, os gestos e comportamentos expressam características comuns a todos os alunos e a cada um? Quais os discursos, as ações e as práticas de professores e alunos no dia a dia de uma escola na relação com o diferente e com a pessoa com deficiência?
Com o propósito de observar, descobrir e analisar como as escolas estão respondendo às políticas oficiais expressas no paradigma da Educação para Todos e da Educação para a Diversidade esta dissertação apoiou-se na pesquisa qualitativa, descritiva e interpretativa, e se utilizou de instrumentos da etnografia - a observação e a entrevista – para a coleta de dados. O material empírico foi, portanto, coletado através da observação, dos registros em diário de campo e das entrevistas (individuais reflexivas e semiestruturadas).
Foram cinco meses em campo, perscrutando o ambiente escolar para gerar as condições de análise, que permitiram perceber uma rede complexa e sutil de representações e significados, que envolvem as relações entre professoras e alunos, quando se trata de conviver com a diferença de corpos estigmatizados.
Palavras-chave: corpo – deficiência – escola – inclusão - educação
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Carol Costa Bernardo
quinta-feira, 24 de maio de 2018
terça-feira, 14 de novembro de 2017
Keita! L'héritage du griot / Keita! O legado do griot
Autora: Silmara Peixoto Moreira[1]
Professora: Carol Costa Bernardo
Texto apresentado na disciplina DIDÁTICA NOS PAÍSES DA INTEGRAÇÃO, cujo objetivo foi: ser uma análise do filme Keita! O legado do griot em diálogo com o texto de BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 2007, discutido em sala de aula.
O
filme do cineasta africano Dani Kouyaté inspira-se na representação do griot, mesclando realidade e ficção, operando numa
mediação entre a palavra (oralidade) e a imagem, nos mostrando uma
realidade de um lugar de conhecimento africano diferente daquela imagem
estereotipada que aparecia nos romances coloniais. O aparecimento do cinema africano foi em 1955 na perspectiva de contestação às imagens
difundidas pelo cinema colonial, tendo
por objetivo a busca por uma africanização. Ainda hoje, os/as cineastas
africanos/as têm por objetivo produzir obras centradas nas realidades da África
pós-colonial, realizando filmes que constituam um meio de apreciação da
situação real dos indivíduos.(PARÉ, 2012) [2]
O
filme narra a história do griot Djeliba
e o menino Mabo da família Keita que passa por conflitos que surgem na família
e na escola após os ensinamentos do griot para o menino. Podemos perceber
diferentes tipos de educação que se passa no filme: A educação formal, adquirida
na escola; a educação informal adquirida com a família; e a educação não formal,
adquirida pela religião através da tradição.
Quando o griot vai
até a família Keita cumprir seu dever de inserir o menino Mabo na tradição,
através da contação de história da origem do seu nome pelo ensino da oralidade,
os seus ensinamentos começam a entrar em conflito com os ensinamentos do
professor da escola. A mãe do Mabo começa a se incomodar com os ensinamentos do
griot para seu filho, pois isto estaria tirando o foco do garoto da escola, e
para ela a escola é que era o local de aprendizado. O pai do garoto se mostra
adepto à tradição, pois esta acontecia de geração para geração na sua família e
ele não podia interferir nos ensinamentos do griot para o menino Mabo. Com
isso, o garoto passa a se dedicar a ouvir as histórias do griot e deixa de lado
as lições da escola, o que causa ainda mais raiva a sua mãe e ao professor da
escola que vai até o griot questioná-lo. O professor se sente ofendido com os
ensinamentos do griot para o garoto porque estes não coincidem com os
ensinamentos da escola e pede-o que pare de contar história ao menino e deixe-o
ir à escola porque lá é o local ideal para aprender de verdade os saberes que
são importantes. Para o griot conhecer a história dos ancestrais é que era
importante.
Dessa maneira,
podemos observar que os conflitos surgem na medida em que um saber se sobrepõe
a outro. De acordo com Carlos Rodrigues Brandão (2007) em todo lugar se pode
aprender com uma ou várias educações e que o sábio seria aquele que reconhece
que existem várias concepções de educação e que nem a escola ou professor deve
ser o único local e único praticante dessa prática social, pois todas as formas
de aprender e todos os locais que se aprende são importantes para a formação do
ser humano.
A educação é uma prática social que envolve diversos
saberes e atores/as sociais. Ela pode existir imposta por um sistema
centralizado de poder a serviço do colonizador e/ou classe dominante como
também pode ser um instrumento de luta para reinventar outras práticas e
maneirar de resistir ao sistema. Ela é inevitável e existe de mais modos do que
se pensa e a educação não deve ser universal.
[1]
Graduada em Bacharelado
Interdisciplinar em Humanidade pela Universidade da Integração Internacional da
Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB). Atualmente é graduanda de Licenciatura em
Sociologia na mesma instituição. Contatos: lanaisilmara@gmail.com // Facebook: https://www.facebook.com/silmara.lanai // Instagram @lanaisil
[2]
Paré, Joseph. Keita! O legado do griot:
a estética da palavra à serviço da imagem.
Disponível em: http://cine-africa.blogspot.com.br/2012/12/keita-lheritage-du-griot-dany-kouyate.html.
Acessado em 06 de outubro de 2017.
sexta-feira, 4 de março de 2016
Família x Escola, qual o diálogo?
Texto de reflexão apresentado após 11ª aula da disciplina SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO BRASILEIRA em Outubro de 2012. Profª. Dra. Maria Juraci Maia Cavalcante. Autora: Carolina Maria Costa Bernardo.
Reflexões...
Esta
foi definitivamente a aula que eu mais me diverti. E provavelmente a aula que
mais tocou a dimensão afetiva e pessoal. Discutir família e sexualidade é uma
tarefa de prazer e desafio para mim, talvez por ainda ser vista como um tabu na
área da educação. Em sala de aula, tive uma crise de riso em tempos de crises sociais e institucionais. Palavra
que caracteriza nosso tempo, tempo de difícil definição. Assim, escolho um
caminho pessoal para este ensaio, sem claro, tecer considerações relevantes
para a emblemática antítese escola versus família.
Nasci
em 1981, início da década perdida e da informação, década de criação e
crescimento do PT e da conquista das eleições diretas para presidente. Filha de
militantes políticos, vindos do sul, instalados no nordeste para fundação de um
partido. Mãe branca, gaúcha e feminista, pai negro, carioca e comunista,
boêmios e pertencentes a modelos alternativos de família e sociedade. Separados
e amigos. Lembro que quando íamos à praia, restaurante ou outro lugar público:
meu pai, sua namorada, minha mãe, o namorado dela, amigos, e muitos filhos, nós
chamávamos atenção de outras famílias presentes. Olhares atentos, curiosos e poucas
vezes de admiração, muitas vezes olhares discriminadores.
Na
escola (particular, bairrista de pequeno porte) eu e meu irmão chamávamos
atenção pela participação, oratória e inteligência de nossos pais. Os rumores
pós-reuniões giravam em torno da contradição entre as qualidades que tinham versus aparência (e comportamento
social). Como se as qualidades evidenciadas acima não correspondessem ao perfil
de tão diferentes modelos. Quando meus pais saiam na TV em alguma manifestação,
passeata, ocupação era outra situação que trazia a tona muitas falas sobre nós,
os filhos que eram abandonados pelos pais que vivem correndo da polícia. Coisas
assim...
Cito
apenas algumas situações que mostram alguns desafios que eram fazer parte de
uma família fora da norma. Eram muitos os julgamentos negativos que eu ouvi
sobre meus pais por parte de vizinhos de bairro, professores e gestores na
escola. Processo natural da adolescência, eu neguei este modelo de família e
decidi que teria uma família “normal”. Então fiquei noiva do meu primeiro
namorado, casei na igreja e no civil com um homem de uma família tradicional,
cujos pais eram casados há 40 anos, os cinco irmãos todos casados e prósperos.
Quatro anos depois de casada me separo após descobrir uma série de valores
ligados a opressão, hipocrisia, machismo, moralismo cristão de um modelo patriarcal
de família.
Esse
breve resumo de minha vida é para mostrar as razões de eu rir tanto na última
aula. As falar da professora, repletas de bom humor, ilustrando as contradições
das famílias, dos discursos, da moral impregnada nos modelos arcaicos de
sociabilidade, de família, de sexualidade delinearam um contexto de família que
pouco se quer desconstruir nos espaços acadêmicos. E que muito tem de
relevância para as questões educacionais, históricas, sociais.
O
casamento é uma estrutura enfadonha para tempos de tecnologia, velocidade,
globalização e busca incessante de uma identidade coletiva e individual (self).
“Até
que a morte nos separe em nome de que?”. Em razão de uma economia ou de um romantismo
em declínio? O que nos leva a escolher uma vida a dois? O que nos leva a
decidir ter filhos?
Para
Castells quanto mais “globais” se tornam as formas de se relacionar com o as
pessoas, com o dinheiro, com as instituições, mais necessidade e conflitos
encontramos na busca de uma identidade (self). Quem somos diante de tantas
novas formas de ser? Se o modelo patriarcal de família é apenas um dentre outros
que co-existirão por que pessoas se submeterão a relações longas e infelizes?
Os
discursos sobre família nas escolas (conteúdo, práticas, material didático)
continuam reproduzindo modelos irreais: ignorando as relações homo-afetivas,
ignorando famílias adotivas, ignorando crenças e religiões, assim como cor,
raça e etnia. É comum, nos relatos de meus alunos de graduação, a informação de
que as escolas desconsideram e ignoram as novas formas de relacionamentos e
proíbem o uso de imagens dos novos padrões. São típicas perguntas dos meus
alunos de graduação: Como apresentar a nova família? Como eu devo agir quando
uma criança diz que tem dois pais? Como representar as famílias onde só há um
pai ou uma mãe por adoção ou por escolha da inseminação artificial? Como trabalhar
valores de família com criança que sobre violência por parte dos próprios pais,
a escola sabe e se cala?
O
que interessa para educação discutir família? Discutir família é refletir sobre
os padrões de comportamento. E problematizar a homogeneidade que a escola tanto
impõe. E refletir sobre valores humanos. E considerar identidades diferentes.
Todo
inicio de ano, vou a escola do meu filho conversar com a professora e apresentar como é nossa família. Peço para professora
usar decorações que mostre a diversidade das pessoas e das famílias, peço para
que valorize as famílias cujas mães ou pais educam sozinhos os filhos. Peço
para que respeitem as diferentes crenças e religiões. É um exercício que busco
em minha prática como professora e são discussões que levo para os cursos de
formação onde trabalho.
Concordo
que a relação família escola nunca foi o que se esperava. É sempre uma
idealização do que deveria ser. Por isso considero tão feliz a proposta desta
discussão em sala de aula. Eu vi na postura da professora a intenção de
problematizar
Qual a relevância de se discutir a diferença na contemporaneidade?
Texto de reflexão apresentado após 9ª aula da disciplina SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO BRASILEIRA em Outubro de 2012. Profª. Dra. Maria Juraci Maia Cavalcante. Autora: Carolina Maria Costa Bernardo.
Reflexões acadêmicas...
Castells, no prólogo de
A sociedade em rede, desenha um cenário mediado pelas novas
tecnologias da informação e comunicação e como estas interferem nas estruturas
sociais. Na 9ª aula desta disciplina, ancorada nos textos do autor acima citado,
as discussões giraram em torno de muitas problemáticas sociais resultantes
desta nova era, das quais quero destacar e discorrer sobre duas,
entrelaçando-as no contexto da educação.
A primeira problemática tem origem na indagação desafiadora que a
professora fez para turma: Qual
a relevância de se discutir a diferença na contemporaneidade?
A segunda, tão exaustivamente respondida em sala de aula pelos colegas, está
alicerçada em uma questão amplamente discutida nos campos: acadêmico, familiar
e institucional em geral: A escola está
em crise? Por quê?
A razão da escolha das
duas questões para o desenvolvimento desta produção escrita está na percepção
de que em ambas há uma relação estrutural dentro dos mecanismos institucionais
que configuram a sociedade. Não discutir a diferença enquanto categoria social é
favorecer a manutenção de uma sociedade individualista, opressora, excludente, racista,
classista, hipócrita, consumista, com valores ligados à acumulação de riqueza e
não a humanização da vida. Papel que a escola desempenha com louvor desde sua
criação na Idade Moderna.
Sabemos que a função
basal das instituições sociais é o controle
sobre as pessoas e sobre as relações que se estabelecem entre elas
(evidentemente as relações de saber-poder - assunto muito bem explorado por
Foucault nas obras Vigiar e Punir e em
a Micofísica do poder). Assim, para que
se efetive esta função são utilizados instrumentos sociais de controle da ordem
da moral, da justiça, da educação, do trabalho, da política, enfim, dos
sistemas que compõem a sociedade.
A Igreja profere o discurso
Cristão (Somos todos iguais perante Deus),
o Estado o discurso moderno da Igualdade (Somos
todos iguais perante a Lei) e a Escola o discurso Democrático (Educação de qualidade para Todos). Estes discursos são incorporados as práticas
de coerção que usam Deus, o Trabalho, a Ciência como argumentos para justificar
a existência das supracitadas instituições existentes, falseando o sentido de
sua finalidade, maquiando as razões de sua função.
Estes discursos levam a
práticas homogeneizadoras e higienistas, excludentes e discriminatórias,
determinantes para a manutenção do capitalismo e não convencem mais. Sabemos
que não somos todos iguais perante a deus nem perante a justiça; sabemos que o
regime democrático é uma falácia; sabemos que a escola não é para todos e que é
diferente para cada grupo. O que me preocupa, é se sabemos que as diferenças existentes
entre as pessoas, sejam, racial, religiosa. de classe, de gênero (ora negadas,
ora enfatizadas) são utilizadas como marcadores identitários da exclusão?
A escola reproduz conteúdos
mentirosos, práticas incoerentes, discursos hipócritas, vazios, contraditórios.
Como bem citou uma colega, fazendo referência a uma fala do primeiro ministro
espanhol, temos hoje uma escola do século XIX, com professores do séc. XX e
crianças do séc. XXI.
Voltando à questão: Por
que discutir diferença em tempos de crise na escola? É preciso assumir
socialmente a histórica função da escola e redefinir suas funções de acordo com
a necessidade desse tempo, dessa era de revolução tecnológica e mudanças tão
velozes. Para Castells as mudanças sociais são tão grandiosas como os processos
de transformação tecnológicos e econômicos. E nesse contexto de mudanças
confusas e incontroladas, as pessoas tendem a reagrupar-se em torno de
identidades primárias e afirmarem-se enquanto Eu e/ou Nós.
Como instituição social
a escola precisa começar a reconhecer as identidades primárias, discuti-las,
situá-las historicamente, diferenças culturais, éticas, regionais, ambientais,
sociais. Assim como deve assumir diferentes suas tarefas de acordo com o que a
comunidade em que está inserida espera dela: comunicação, conhecimento científico-empírico-religioso,
sociabilidade, mediação (normatização e resistência).
Não se pode olhar para
a humanidade e achar que devemos todos ter a mesma escola, a mesma religião, o
mesmo tipo de família, a mesma sexualidade, a mesma cor. Pensar a diversidade é
pensar numa ética humanista e humanitária que valorize as unidades para fortalecer
o universo maior em que elas estão inseridas dando-lhes direitos e
oportunidades iguais.
Pensar em direitos
iguais é pensar no bem estar social, afetivo, econômico. Não se pode achar que
ter direito a matar alguém é salutar. Pois tirar a vida de uma pessoa fere a
todos os princípios da ordem da Norma em todas as culturas e religiões.
Não podemos continuar
oferecendo para a classe média uma escola que apenas prepara seus filhos a
manter o conforto e o padrão de vida que permita o consumir às custas de
empregos públicos. Não podemos continuar a oferecer uma escola para a burguesia
que apenas prepara seus filhos para como produzir riqueza e explorar o trabalho.
Assim como, não podemos mais oferecer para o povo, assalariados, os pobres, os
pretos, uma escola que os ensina apenas a sobreviver a custa de uma opressão
silenciada. A escola não é mais garantia de sucesso, de educação, de saber que
oportuniza igualdade de oportunidades. Os discursos são falácias questionadas
desde a educação infantil por crianças, adolescentes, docentes e discentes.
Repete, por favor, porque não entendi.
Texto de reflexão apresentado após 8ª aula da disciplina SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO BRASILEIRA em Outubro de 2012. Profª. Dra. Maria Juraci Maia Cavalcante. Autora: Carolina Maria Costa Bernardo.
Quando entrei em sala fui surpreendida com a
presença de um músico convidado que estava dizendo a seguinte frase: o samba é europeu. Continuou explicando
sobre o conceito de Tonal para justificar a absurda informação e em seguida
compartilhou os conflitos que vivenciou na música quando decidiu estudar um
instrumento genuinamente europeu. E concluiu: não devemos nos envergonhar quando queremos assumir nossa europeização.
Confesso que demorei a entender a lógica daquele
discurso e onde, de fato, o músico queria chegar. Sabrina Linhares, nossa
colega de turma, que estava se apresentando com ele fez algumas perguntas na
continuidade que ajudaram a compreender melhor a razão da defesa surreal da
origem eurocêntrica de alguns instrumentos, sons e estilos. Qual a origem das
coisas? Quem copiou quem? Qual a origem do tambor e do pífano? Em seu texto
apresentado nesta aula Sabrina afirma:
“Nossas raízes musicais foram formadas pelos apitos, chocalhos e tambores indígenas, pelas flautas e clarinetas jesuíticas, pelos pífaros e rabecas que nasceram das mãos nativas que admiraram as flautas transversas e violinos dos colonizadores, pelos pianos e acordeons dos mais abastados, pelos coros sagrado e profanos, pelos metais do sopro das bandas familiares comunitárias, pelos trios de ‘arrastapé’ (sanfona, zabumba e triangulo), pelos violões e pandeiros populares, pelos tambores dos escravos no trabalho e libertos na música.”
Considero relevante a tese que as culturas se
interligam e que há muitas dúvidas sobre a origem genuína de muitos aspectos da
história universal. Nessa lógica, se não podemos afirmar a origem africana e indígena
porque podemos afirmar a origem européia? Por que na citação acima não estão citadas
as contribuições dos instrumentos ligados a áfrica? Ou será que a referência ao
negro se faz na citação “escravos
no trabalho e libertos na música”.
Por que diante de tantos predicados positivos ligados aos sujeitos de nossas
raízes na citação acima o adjetivo escravo tem que estar ligado aos negros? Não
será esse um exemplo da ideologização que tantos discutimos em sala? Será que a
universidade ainda não entendeu que escravização é uma condição social imposta
e não uma condição natural dos negros africanos?
Enquanto
universidades do mundo questionam e problematizam a imposição de uma ciência
eurocêntrica o Brasil insisti em afirmar as mentiras contadas e recontadas e se
nega a desenvolver uma postura crítica frente a esta ciência e ideologia nos
campus assim como se nega a reconhecer como ciência as diferentes formas em outras
culturas de se fazer conhecimento.
A
questão não é negar nossa europeização. Tampouco hipervalorizar apenas as
raízes indígenas e africanas em nossa formação. A questão é denunciar a forma
como os europeus se apropriaram do patrimônio histórico cultural de nações como
a África, Ásia e América. A questão é reescrever nossa história e a do restante
da humanidade que foi contada a partir de um viés ideológico. Não se pode
simplesmente continuar acreditando na excepcionalidade européia no tocante a
criação dos valores como a democracia, a liberdade, a igualdade de direitos,
bem como os conceitos civilizatórios de instituições como a família, a escola,
o estado, a universidades. Não podemos continuar endossando uma superioridade
cultural e ignorando as realizações de outras formas de sociedades, que também
desenvolveram estes conceitos como ilustrou a professora citando Jack Goody e o
livro O Roubo de Nossa História.
Concordo com Sabrina Linhares quando esta afirma que
precisamos saber de onde viemos para saber para onde vamos. Essa é a questão,
esse é nosso grande desafio. Buscar a ancestralidade como herança cultural,
nossa identidade histórica. E para isso é preciso desorganizar as coisas que a gente já sabe e deixar de acreditar em
tudo que foi escrito como obediência.
Qual a missão de nossa educação?
Texto de reflexão apresentado após 4ª aula da disciplina SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO BRASILEIRA em Outubro de 2012. Profª. Dra. Maria Juraci Maia Cavalcante. Autora: Carolina Maria Costa Bernardo.
Reflexões acadêmicas...
Nesta
aula, dedicada à apresentação do seminário, a equipe iniciou com a exibição do
filme A missão, de Rolland Joffé,
indicado ao Oscar em 1987, ano em que eu cursava a 1ª série do Ensino
Fundamental e provavelmente ouvia de minha professora a lição: Quem descobriu o Brasil foi Pedro Álvares
Cabral.
A
equipe estava ali com o objetivo de compartilhar com a turma um fato: a Guerra Guaranítica.
E o fizeram a partir de uma escolha, recontaram pelo mesmo viés e fontes que
minha professora há 26 anos consultava. Não falo apenas do livro utilizado,
falo de uma ideologia, de um conceito, de um paradigma:
O eurocentrismo é um paradigma
que, como todos os paradigmas, funciona de maneira espontânea, com freqüência
sob o aspecto vago das evidencias aparentes de sentido comum. Por isso se
manifesta de maneiras diversas, tanto na expressão dos preconceitos
trivializados pelos meios de comunicação como nas frases eruditas dos especialistas de diversos domínios da ciência
social. [1]
Durante a explanação dos colegas (e inspirada
com as leituras de Antoine Proust sobre o tempo da história e a história do
tempo) algumas questões surgiam para reflexão: Como seria nossa história
contada e transmitida em livros pelos próprios índios? O que eles nos diriam
sobre as ocupações, os conflitos, as missões? Como seria nossa vida hoje se
nossa história fosse contada por quem perdeu as batalhas?
Cheguei
a perguntar ao colega Vinicius, integrante da equipe, se havia no livro de base
para o seminário, evidencias sobre como pensavam os índios acerca dos conflitos
e invasões e ele disse-me que há registro de cartas escritas pelos próprios
indígenas convertidos, estas cartas foram exploradas como fontes e dados históricos,
como foram com os diários dos jesuítas.
No
filme A missão a ênfase é dada aos conflitos que envolvem os índios guaranis e as tropas
espanhol-portuguesas e ao drama vivido por um violento mercador de escravos
indígenas cujo arrependimento pelo assassinato de seu irmão o converte um em
missionário jesuíta. Há uma visão romântica sobre o papel das missões
jesuíticas e o reforço das ideias de Darcy Ribeiro cuja análise aponta as
missões como um lugar de refúgio e abrigo aos povos indígenas contra a
violência que sofriam. Compreendo os jesuítas como europeus colonizadores e as
missões como instrumento do colonialismo. Inquieta-me o fato de um dos
principais líderes guaranis - Sepé Tiaraju - não ser evidenciado no filme.
Para
Proust (2008) o tempo da história é, precisamente, o das coletividades, das sociedades,
Estados e civilizações. Trata-se de um tempo que serve de referência comum aos
membros de um grupo. O autor enfatiza que o tempo da história esta incorporado,
de alguma forma, as questões, aos documentos e aos fatos.
Por
esta razão, é interessante considerar que um fato social como a Guerra
Guaranítica envolve múltiplos personagens, de diferentes grupos, com interesses
variados. Entretanto os documentos privilegiam uns e não outros. A história
mostra é que os fatos são pequenos frente as suas interpretações.
Vejamos
o exemplo do Sítio do Cumbe, o fato: a construção de usinas eólicas. Os
documentos oficiais mostram uma realidade positiva para o município e para o
país enquanto que os moradores contam que os avanços não beneficiam a
comunidade. Em todas as escolas e notícias somos informados que a energia
eólica é uma energia que só traz beneficio para os brasileiros. Se a versão dos
moradores do sítio do Cumbe não chegar aos documentos, somente uma versão será
a história oficial. A versão daqueles que com o aval do governo brasileiro
exploram nossas riquezas será levada aos livros, às escolas, as grandes mídias,
e assim, vamos formar milhares de crianças acreditando e defendendo uma usina
que também traz malefícios para as comunidades sem muitos recursos econômicos.
Quem
faz ciência na área de humanas não deixa de fazer história. Não somos
historiadores, mas classificamos acontecimentos na ordem do tempo, registramos
falas, atos, discursos, práticas e etc. E essa era minha preocupação durante a
apresentação dos meus colegas. Por que estavam recontando a mesma história sem
nenhuma crítica mais aprofundada? Por qual razão continuamos passivos diante
das bibliografias oferecidas para estudo?
Concluo
estas reflexões com a fala do professor Botelho na palestra de abertura do semestre:
Nós, professores e pesquisadores,
precisamos fazer novas perguntas que desafiem não só os alunos, mas nós mesmos. Sair da zona de
conforto das respostas prontas e eliminar as resistências diante respostas que
desconstruam as velhas verdades.
[1]
AMIN, Samir. O
Eurocentrismo: Crítica de uma ideologia. tradução [de] Ana Barradas. Lisboa: Dinossauro, 1999. (pág. 08) Grifo
meu.
O passado em livros e compêndios (A construção social, política e cultural do Brasil)
Texto de reflexão apresentado após 2ª e 3ª aula da disciplina SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO BRASILEIRA em Outubro de 2012. Profª. Dra. Maria Juraci Maia Cavalcante. Autora: Carolina Maria Costa Bernardo.
“Se
somos livres no coração, não haverá correntes feitas pelo homem com força
suficiente para sujeitar-nos. Mas, se a mente do oprimido é manipulada (...)
até o ponto dele se considerar inferior, não será capaz de fazer nada para
enfrentar o seu opressor”. (Steve Biko)
As
reflexões decorrentes das duas últimas aulas perpassam algumas categorias que
emergiram da leitura das obras de Prost (2008), Hill (2003) e Azevedo (2010) assim
como, e mais precisamente, das vozes manifestas no espaço quase circular, estabelecido
como universo da “troca de saber”. São elas: a Origem da História ou a História
do Tempo, a Bíblia, o Conhecimento e a Formação do Brasil.
A
compreensão de que “ler não é uma ação
inocente*”, e nem tampouco deve ser passiva, colocou-me diante dos textos
de forma questionadora. Assim como a exposição de alguns pontos de vistas que
provocaram inúmeras inquietações positivas para o aprendizado. Mesmo estando diante
de um contexto que se fez áspero para mim, as rugas me impulsionam a pensar
mais verticalmente e a buscar compreender o que está para além do dito e do
escrito. Como se diz poeticamente, compreender o que está nas entrelinhas. E nessa
tentativa, o presente ensaio expõe as ideias de forma interrogativa e
reflexiva.
Quem
lê no Brasil? O que lemos? Com que freqüência? Em uma rápida pesquisa no Google,
encontro uma notícia no site o Estado[1],
que outrora já havia lido, da qual revela que a população leitora no País
diminuiu.
Enquanto
em 2007 55% dos brasileiros se diziam leitores, hoje esse percentual caiu para
50%. Cerca de 80% dos brasileiros jamais pisaram em uma biblioteca e dos 197
escritores citados pelos entrevistados, os mais lembrados foram Monteiro
Lobato, Machado de Assis, Paulo Coelho, Jorge Amado e Carlos Drummond de
Andrade. Já os títulos mais mencionados foram a Bíblia, A Cabana, Ágape, O Sítio do Pica-pau Amarelo - que não é
exatamente título de nenhum livro de Lobato - e O Pequeno Príncipe. Crepúsculo,
Harry Potter e O Monge e o Executivo também aparecem na prateleira dos leitores
brasileiros.
Uma
pesquisa da UNESCO, apresentada no Jornal da Band este ano, feita com 52 países,
aponta que o Brasil tem um dos piores índices de leitura e compreensão de texto
(47º lugar). Ler não é um hábito comum para a maioria dos brasileiros e uma
breve análise dos livros mais lidos evidenciam que tanto os autores quanto os
títulos escolhidos são os mais amplamente divulgados pela mídia em geral.
Exceto a bíblia.
Quem
nos coloca diante do primeiro, do segundo, do terceiro livro? Arrisco-me aqui a
dizer que a escola, a família, a igreja e as grandes mídias (TV, jornais e
revistas) são as instituições apontam opiniões os tipos de leitores. E quais
são os princípios ideológicos que estão alicerçados em cada obra e autor citado
acima. Quais os princípios estão por traz de instituições de poder que ajudam a
colocar a Bíblia na estante dos brasileiros e no ranking como livro mais lido do mundo?
Na
medida em que me pergunto sobre a leitura, naturalmente me vem questões sobre a
produção e divulgação dos livros e do conhecimento. Se há livros, há leitores e
produtores. E os responsáveis pela produção e divulgação do conhecimento são os
mesmo responsáveis pelas instituições de poder. E infelizmente, para mim, essa
discussão não chegou a nossa sala de aula. E eu até pensei em falar, mas escolhi
calar.
Lembro-me
de quando fazia graduação, inflamada pelos estudos marxistas, eu repetia o
bordão: “a escola é o lugar da apropriação do conhecimento produzido
historicamente pela humanidade”. Na pós-graduação, cansada de repetir os
jargões acadêmicos e despojada da vaidade que faz alguns querer ser aplaudido
pelo domínio e acúmulo do “conhecimento historicamente produzido pela
humanidade”, eu resolvi fazer a pergunta: Mas quem é essa humanidade que produz
conhecimento? Que conhecimento é esse produzido pela humanidade? Serão os
produtores de conhecimento (aquele reconhecido nos livros) os detentores do
saber ou do poder? Serão aqueles que não produzem livros alienados do saber ou
apenas do conhecimento sistematizado?
Wesseling
(2008) no prefácio do livro Dividir para dominar disse que para compreender a
partilha da áfrica foi preciso ouvir
muita gente e que não é possível aprender apenas nos livros. Por esta razão eu
não escolho o livro, nenhum deles, como superior a qualquer outro tipo de
instrumento do saber. O livro é, como a experiência, a interação entre os
sujeitos, a espiritualidade, enfim, um caminho de acesso ao saber. Como,
infelizmente nossa cultura o coloca no topo da hierarquia, quem não o domina,
está à margem.
Em sala de aula, “falamos” sobre a Bíblia como livro
mais vendido de todos os tempos (mais de seis bilhões de cópias em todo o mundo),
mas não “falamos” da Bíblia como um instrumento de poder. Pessoas têm a bíblia, mas não a lêem, não têm
acesso ao que significa. Reproduzem. Poderíamos
continuar lendo em latim, como conta nossa história da educação. Pois o
significado das suas escrituras poucos são os que acessam e significam. Assim
se deu nossa formação no Brasil. Poucos lendo e interpretando para a maioria. O
país que não lê, mas que repete os pensamentos de quem produz os livros e de
quem ocupa o espaço de saber-poder. O país que classifica hierarquicamente a
superioridade de uns sobre os outros.
Há
espaço para questionamento dos tais escritos nas salas de aula? Aprendemos que
perguntar ofende. Mas como construir espaços de saber sem levantar a dúvida? Se
não perguntamos como podemos criar o pensamento reflexivo? Será que precisamos
queimar livros, destruir escolas, e falar tupi
guarani para questionar as verdades estabelecidas? Fui obrigada a ler
livros que não me acrescentaram em nada.
Fui à escola, por 15 anos ouvir histórias que não me interessavam e
ainda não podia perguntar e mostrar que tinha dúvidas e incertezas sobre as Verdades
apresentadas.
Considero
interessantes as últimas questões levantadas na 3ª aula de Educação Brasileira que
me tiraram do lugar comum e levaram-me a investigar, pensar, buscar resposta: A
escola é necessária? Por quê? Para que?
Para quem? Para o sucesso? E que tipo de sucesso?
Vejo
a escola/universidade como lócus de apreensão
de uma sistematização necessária, e não única, do conhecimento. Essa apreensão
foi muito bem ilustrada pelo colega João que disse que nestes espaços foi
buscar o “credenciamento” para dar voz as suas pesquisas e pensamentos: “Cansei de ser o sujeito de pesquisa e quero
ser o agente, o pesquisador.”
Estou
cansada de ouvir a mesma história. Jesuítas? Portugueses? Escravidão?
Descobertas de territórios? Desde a escola do primeiro grau (atual ensino
Fundamental) ouvimos as mesmas coisas. E a história do Capitão Mouro (Aliás, os
Mouros eram africanos, não é verdade?) que nunca foram citadas nos livros
didáticos? E a organização, cultura das civilizações não-européias? E sobre a
riqueza/valor de outros ritos e tradições? Concordo com Lévi-Strauss[2]
(1952, pág. 01) quando afirma que:
“nada, no estado
atual da ciência, permite afirmar a superioridade ou a inferioridade
intelectual de uma raça em relação à outra, a não ser que se quisesse restituir
sub-repticiamente a sua consistência à noção de raça, parecendo demonstrar que
os grandes grupos étnicos que compõem a humanidade trouxeram, enquanto tais,
contribuições específicas para o patrimônio comum.”
A
produção de nossa história conta que evoluímos da selvajaria à civilização,
passando pela barbárie. O projeto civilizatório cristão dos Jesuítas e sua pretensão
universalista (como vimos nas duas últimas aulas) reforçam a ideia de
superioridade de uns sobre o outro, assim como ilustra como ajudaram a
docilizar os indígenas. Através da sedução destruíram um povo e sua tradição. E
vejo esta sedução, como forma de conquista, uma violência, tanto quanto é o
estupro.
Os
críticos de Nagle, Azevedo e Freyre afirmam que seus textos contribuem para a
compreensão de uma visão romântica sobre o processo de formação/construção do
Brasil. Li Azevedo com muita inquietação pois não acredito nas versões que
colocam que as relações entre índios, negros e brancos se deram de forma
harmoniosa, pacífica, cordial. A sedução, a bíblia, o livro, a escola foram instrumentos
civilizatórios, na maioria das vezes, violento e opressor.
É
comum encontrarmos nos texto de história a relação Jesuítas-cientistas-humanistas
versus os Negros e Índios como os
selvagens. Uma arriscada análise do discurso na obra de Azevedo me faz
perguntar: Será que a escolha de cada palavra desta está livre de uma ideologia?
Não terão cometido nenhum ato de violência esses filhos de Deus em nome de uma
educação que não era solicitada? Não foram selvagens em suas ações? Não seriam
os negros e índios também cientistas? Não há neutralidade onde se produz
conhecimento. Cada palavra escolhida para o discurso é carregada de valor
moral, ideológico, social.
Uma
coisa é o João buscar a “escola” para chegar ao “sucesso’. Outra bem diferente
é a “escola’ ir para onde não sabem nem o que ela representa. Substituímos a
educação religiosa pela científica com a escola nova. Para a larga história
isso foi ontem e por esta razão ainda vemos pelos corredores acadêmicos
professores carregando suas bíblias debaixo do braço.
Concordo
com a professora quando disse que é importante “não ver o passado de modo simplificado*”. E nem ver do mesmo modo,
penso eu. Mudar a perspectiva do olhar, questionar, é essa postura de uma educação libertadora. E respondendo a
pergunta feita em sala, entre o poder do sucesso ou poder da liberdade de
escolha eu fico com a última.
Por uma matriz curricular que inclua as populações negras
Texto de reflexão apresentado à disciplina SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO BRASILEIRA em Outubro de 2012. Profª. Dra. Maria Juraci Maia Cavalcante. Autora: Carolina Maria Costa Bernardo
Reflexões acadêmicas...
Depois
de dois anos volto à sala de aula – como aluna - com muitas expectativas. Logo após
o mestrado, trabalhar como professora do ensino superior (graduação e
pós-graduação) colocou-me frente a inúmeros desafios e questionamentos quanto
ao devir docente. Voltar à sala de
aula após essa longa experiência é uma oportunidade de realizar a práxis em meu campo de atuação e isso me
deixa bastante motivada. Ansiosa, deveras. Entretanto, a ansiedade decorre da curiosidade
latente de conhecer o novo e o velho.
Ocupar
um lugar no programa de pós-graduação, como doutoranda é ocupar “O lugar da
incerteza, da insegurança... e esse é o lugar do professor.”, como bem pontuou
a professora Juraci Cavalcante. Saio então da minha zona de conforto em busca
de luz e conhecimento. Navegar por esses mares oficiais do saber-poder assusta
ao mesmo tempo, encanta.
Enquanto
esperava a professora chegar, eu pensava sobre o caminho a ser traçado nos
próximos quatro anos, a forma como as carteiras estavam organizadas, observava
as pessoas esperando, me perguntava sobre tudo e todos os presentes. Depois de esperar
por quase uma hora, vejo entrar a professora em meu campo visual de análise e provavelmente
de todos os alunos. Observo-a entregar a proposta temática impressa e brincar sobre
seu nervosismo diante da turma de quase 40 alunos. Neste momento senti a
conexão da empatia.
Observei
sua postura, sua gerencia sobre o tempo, a organização e a sistemática da
disciplina. Ouvi atenta sua palavra, a clareza e honestidade com que se coloca
e expõe seu pensamento e a humildade inspiradora de reconhecer a todos como valor
que emerge da diversidade do pensamento. Mas tão logo não me vi reconhecida na
proposta temática do Seminário da Educação Brasileira, inquietei-me.
Da
explanação das temáticas destaco três momentos cuja discussão reverberou por
toda a semana em meus pensamentos: 1) O viés conceitual da disciplina; 2) As
reflexões resultantes das falas daqueles que ousaram se colocar e 3) Os tópicos
que perpassaram a discussão e me agradaram de imediato, como a Morte, a “Pedagogia
da Arenga” e o passeio para a Serra da Capivara.
Quando
ouvi “vamos conhecer nossa ancestralidade
européia” no início da apresentação da proposta temática confesso que me
assustei. Primeiramente por nunca antes ouvir menção a essa categoria. Seria
uma categoria conceitual da história, sociologia, antropologia? Ouvi atentamente, acompanhando a bibliografia
impressa e percebi que aprenderei nesta disciplina a versão eurocêntrica e
judaico-cristã do conhecimento, da escola, da educação e da formação cultural
do Brasil.
Não
falo com desdém e nem desrespeito. Pois se trata da história de formação do
Brasil, se trata de história universal e eu preciso aprender. É importante
dizer que respeito o lugar de onde fala a professora, suas escolhas, sua
referência teórica, sua experiência. Contudo, apresentada a proposta me perguntei:
E a ancestralidade africana? E a indígena? Deveria perguntar? Deveria ficar
calada? Deveria compartilhar que não me sentia incluída (enquanto negra) mais
uma vez ou ver ser prestigiada uma ciência que nega e desconsideram outras
tantas.
Durante
todo meu histórico escolar até o mestrado tudo que ouvi sobre negros é que
foram “escravos” (povos negros escravizados) e sua contribuição para a culinária
e capoeira. Eu sinto fome e sede de conhecer mais. Eu sou descendente de um
povo que tem história. Um povo que dominava técnicas de agricultura, mineração,
ourivesaria e metalurgia e tinha conhecimentos de astronomia e de medicina que
serviram de base para a ciência moderna. Infelizmente, a imagem que se tem da África e
de seus descendentes não é relacionada com produção intelectual nem com
tecnologia. Ela descamba para moleques famintos e famílias miseráveis, povos
doentes e em guerra ou paisagens de safáris e mulheres de cangas coloridas.
Sei
que conhecer essa história negada depende de mim. Mas, me sentiria feliz de ser
contemplada numa matriz curricular. Um colega na sala de aula foi feliz quando
compartilhou seu pensamento: precisamos conhecer profundamente a história
européia para entender o que ela fez com nossa história africana. A professora
diz: precisamos descobrir um novo jeito de compreender nossa realidade, compreender
as culturas de forma integrada (internacional), portanto incluir a todos. Nesta
colocação me senti contemplada. E senti que iremos vivenciar um espaço de
grandes descobertas. Conhecer é sempre desafiador. Vamos à pedagogia da arenga
que provoca e inquieta a nos levar ao caminho das dúvidas e incertezas.
quarta-feira, 22 de janeiro de 2014
A Casa da Água
Resenha do livro A
Casa da Água de Antonio Olinto
Carolina Maria Costa Bernardo
Escrita em 04 de Novembro de 2013
A Casa da Água narra 70 anos do cotidiano de seis
gerações de uma família negra no contexto de África-Brasil-África entre os anos
de 1898 e 1968. O livro apresenta uma cronologia dos personagens, uma nota
editorial sobre o autor e outra sobre a obra, por Adonias Filho. Está dividido
em quatro partes: 1) A viagem, 2) O marido, 3) A casa da Água e 4) O grande
chefe. São 369 páginas de intensas descrições, poucos diálogos, longas orações
na 3ª pessoa de um narrador que conhece interiormente os pensamentos de nossas
personagens femininas e compartilha de forma generosa, envolvente e
desafiadora. Os longos períodos descritivos pesam nas páginas iniciais, mas
logo que nos familiarizamos com as personagens, ganhamos fôlego para inspirar e
expirar as vidas ali apresentadas.
Olinto utiliza o Oriki como recurso estilístico na
voz de Mariana: “Ó marido de membro
quente que me faz gozar tanto. (...) Ó água que chegas para todos nós, que
sejas sempre abundante e tragas felicidades para a dona do poço”. Não há uma
atenção especial às descrições dos aspectos físicos das personagens. Não se
percebe o uso de adjetivos que exaltem a beleza dos personagens, apenas com
Emilia e Fadori este recurso é utilizado. A atenção e dada aos costumes, as
memórias, ao cotidiano, as emoções, ao movimento. As reflexões de Mariana
revelam que na África ela não percebe que beleza seja atributo tão valorizado
com no Brasil.
Uma surpresa ao ler a Nota Editorial sobre o autor,
depois do encantamento por tão célebre carreira, foi descobrir ao pesquisar no
Google, que Antonio Olinto não era negro. A imagem criada durante a leitura da
biografia, não foi correspondida ao ver algumas fotos daquele premiado pela
obra “centrada na epopeia de uma família de negros brasileiros” que decidem
voltar a África e conhecido por discutir a questão racial negra em várias
cidades dos Estados Unidos, Londres, Lagos. Confesso uma sutil frustração (ou
seria preconceito) com esta descoberta. As expectativas criadas antecipadamente
sobre o pioneiro da ficção cientifica no Brasil que interpretou com maestria o
cotidiano de uma família negra que retorna a áfrica foram de um homem negro.
Feita a primeira pesquisa e confirmando a cor que em
nenhum momento é citada em nota editorial (se fosse negro, provavelmente, o
atributo da cor antecedesse os predicados: crítico erário, jornalista, poeta, professor
universitário), segui com a leitura, não menos atenta, nem menos interessada.
Contudo, curiosa: pode um homem branco conhecer a alma do negro africano, do
negro brasileiro, e do negro brasileiro que volta para a África? Seria ele
diferente de Gilberto Freyre? Possivelmente, já que as indicações da obra
vieram de intelectuais negros que a apontam como excelente interprete.
A obra, publicada em 1969, traz aspectos da vida do
autor: Zora, a esposa é citada como uma jornalista que entrevista o jovem
Fadore; Piau, a cidade natal de sua mãe. Minas Gerais, Rio de Janeiro, Lagos,
Londres, são lugares por onde Antônio Olinto viveu. Traz também fatos
históricos e contextos distintos da história do Brasil, da Nigéria, Togo, Benin
e do mundo. Muitas cidades reais, outras fictícias. Muitos personagens citados
são reais na história o que nos faz indagar sobre quais os limites entre a
ficção e os fatos reais. Existiu Mariana? Existiu Catarina? Existiu o navio
Esperança? Existiram as cartas? Existiu a casa da água. Existiu Sebastian
Silva?
Em outra pesquisa descubro que Sebastian Silva foi
inspirado no personagem histórico Sylvanus Olympio, presidente do Togo, que era
descendente de brasileiros e que foi assassinado. Mas para outros personagens,
se existiram ou não, a obra nos remete a uma realidade cultura e social muito
próxima do que existiu na Bahia e na Nigéria do final do século XIX até meados
do século XX.
Foram alguns dias de intimidade com Mariana,
personagem de destaque entre os quase 100, e as relações que se estabeleceram
em torno dela nos territórios geográficos - e subjetivos – de lugar, de
identidade, de cultura e de gênero, nos permitindo acompanhar os estágios de
algumas vidas, entre o nascimento e a morte. Nos dias de leitura, sonhei com
Mariana como se eu fosse ela, e outras vezes, como se ela fosse qualquer mulher
de um passado histórico da qual pertenço. A obra nos faz refletir sobre muitas
questões que constituíram as sociedades onde houve a colonização européia e a
escravização do negro, e para além disso, nos aproxima intimamente do universo –
negra – feminino e das questões identitárias do ser afrodescendente.
Na trama são apresentadas as personagens: Catarina,
a avó nascida em Abeokutá, Nigéria, África; Epifânia, a mãe e Mariana, a filha,
ambas nascida em Piau, Minas Gerais, Brasil. Três mulheres negras que deixam
Piau, passando pelo Rio de Janeiro, Bahia, para chegar do outro lado do oceano
e realizar o desejo da avó de retornar a terra de origem onde nascera Ainá e
fora vendida pelo tio para ser escravizada no Brasil,onde ficou por quase 60
anos sem esquecer de África. Mariana tem dois irmãos, Emília e Antônio,
personagens secundários na narrativa, que também embarcam e compõe o núcleo
familiar dos Santos - sobrenome do dono da fazenda, escolhido por Catarina após
ganhar liberdade e precisar de um sobrenome.
Os esclarecimentos sobre cada personagem são dados amiúde
e entre longas páginas. Nas primeiras você é informado sobre Piau, desconfia
que seja é MG, mas somente na página 47 descobre que a cidade fica em Minas
Gerais. Demora até nos situarmos acerca
do tempo histórico de Catarina e Mariana. Na página 36, aprendemos com Mariana que
vai a escola, que os tempos vividos na Bahia era a primeira república: “a professora dizia que a republica
melhorara o Brasil, recitava poemas de castro Alves que falava em navio
negreiro e em escravos, ficou sabendo que José do patrocínio lutara contra a
escravidão.” Muito pouco é dito com objetividade, era tempo do governo de
Floriano Peixoto. Uma obra que suscita pesquisa e ajuda a esclarecer o contexto
de um Brasil e de uma áfrica. Ao final da leitura me ocorreu procurar as
cidades citadas no mapa. Se me ocorrera isto no início a compreensão dos
eventos históricos se daria de forma mais acessível. A obra é uma ficção, mas poderia
ser o retrato de um tempo histórico, utilizado como livro didático nas escolas
ao invés do que temos.
Catarina, ao embarcar do Rio de Janeiro para Bahia,
inicia o trânsito entre seu passado e seu futuro na memória do corpo, com lembranças
de uma vida na África e da violência sofrida depois que é vendida. Na Bahia as
personagens ganham vida e a narrativa se torna então muito interessante. Em
torno do Mercado, passam dois anos a ser
reconhecer em cada rosto negro, na religiosidade, nas histórias contadas com a
chegada de cada barco, na linguagem, “uma palavra em português, outra em
ioruba”. O cotidiano na barraca, nas reuniões,
festas, candomblé, missa, os trajes, os comportamentos são descrito com muitos
detalhes e precisão que torna possível observar a construção do sentimento de
pertencimento e identidade da avó e de Epifânia.
À Mariana é dada muita liberdade por sua mãe e avó
(o que parece um traço das personalidades matriarcais femininas). Ela então
aproveita e se movimenta, olha tudo sempre com atenção. Ri, ri muito, ri de
tudo e de todos. Observadora repara nos detalhes dos gestos, nas falas, nos
comportamentos. Percebe os territórios, relaciona quantidades entre negros e
brancos, e as relações de poder - não de forma explicita e consciente, mas na
forma como questiona, como pensa diante do que vê. Mariana é muito próxima da
avó, uma ligação em que se reconhece, se identifica com as experiências
promovidas pela avó.
Quando acompanha a mãe, apenas observa, descreve sem
muita empatia, muita interação. Parece transitar bem entre as experiências
proposta pela avó e pela mãe: no seu pescoço o uso da medalha do senhor do
Bonfim dada pelo padre e das contas amarelas dadas pela mãe é exemplo disto. A mãe
e declaradamente católica. Enquanto a avó dos terreiros. Há muita cumplicidade e
respeito entre mariana, a avó e a mãe. Mariana não questiona as orientações das
pessoas mais velhas. Apenas diz sim. Mas pergunta quando tem curiosidade de entender. Sempre disposta a aprender
coma a mãe e com a avó, ouve com atenção cada ensinamento internalizando-os.
Não são dizeres vagos, são falas que dão sentido e significados aos comportamentos
e condutas morais que edificam a personalidade de Mariana.
Depois de dois anos na Bahia, Catarina consegue um
barco a velas e segue com a família por longos dias durante seis meses no
veleiro Esperança. Ouvimos os medos
de Catarina e Epifânia: O que deixam na
Bahia? O que encontrariam em Abeokutá. Nada, no entanto, dito em voz alta. Entre
as mulheres desta epopéia percebemos que apenas dizem o necessário, o silêncio é
sabedoria. Neste barco são traçados os destinos
de uma serie de pessoas que se tornam “parentes”, uma comunidade
fraterna em Lagos. Sobre o oceano atlântico assistimos a transição de Mariana,
a simbologia de um rito de passagem. O corpo se modifica, os olhos se aquietam
no mar, deixa de ser menina e torna-se moça, sangrando ao chegar na África.
Em lagos, se adaptam facilmente e recomeçam pelo trabalho
no mercado (como na Bahia). Não há muito estranhamento. Sentem-se como na
Bahia. Exceto Epifânia. Mariana vai para escola de freiras, a família passa a
freqüentar regularmente a missa, o contato com diversas línguas faz Mariana apreender
os idiomas falados em cada território onde circula, torna-se professora.
Morre Catarina, Nasce Ainá e logo morre Ainá. A partir de então Mariana torna-se mulher.
Casa-se, tem dois filhos e fica sozinha, com a partida do marido para Europa
para fazer dinheiro. Para mariana o trabalho estava em qualquer lugar, não
julgava o marido, mas lamentava. Tem um sonho que se repete, compra uma casa,
constrói um poço, se torna vendedora de água, comerciante em Togo, Nigéria,
Benin, chefe de família, sinhá, dona mariana. Torna-se uma mulher
financeiramente rica e com ela, em seu entorno, prosperam muitas pessoas que
estavam no Esperança. Sebastian, o
marido, depois de anos retorna e encontra a mulher. Não se envergonha, não se
sente inferior. Entra nos negócios e se envolve. Não se percebe machismo.
Lembro de uma fala de Mariana que diz que Sebastian havia nascido para
trabalhar para o outro. Logo morrre, de morte matada, como não se devem morrer
os jovens. Deixa no ventre de sua mulher um novo filho.
São três os filhos. Crescem e estudam em territórios
diferentes. Os dois primeiros vão para
Londres, o terceiro para Paris. Orientação do Sacerdote Ifá. Envia os filhos
para Europa Ela dá aos filhos, com consciência, a escola dos branco, os
idiomas, os livros e uma religiosidade católica-umbandista como uma referencia.
De Londres voltam Joseph, advogado e Ainá, médica, ou como ela mesma diz, uma curandeira
diplomada. De Paris volta Sebastian, o professor, líder político e grande
chefe. Os filhos vão e retornam para fortalecer uma África ainda sob domínio
europeu.
Para Mariana, aos pais caberia oferecer as melhores
oportunidades aos filhos, e instrumentalizá-los para mudar as coisas. Quando a
mãe pergunta se não deveriam voltar ao Brasil, a dona da Casa da Água diz: “não estamos mais no Brasil, isto aqui é África
, acho tolice essa mania da gente ficar
presa as coisas antigas. (...) os mais
novos se afastarão por completo do que a gente faz . eles todos serão
africanos.”
Nas cartas que os filhos escrevem de Londres e Paris,
nenhuma relata racismo ou qualquer conflito existente. O romance não retrata a
relação entre negros e brancos. Esse tema não é discutido com afinco como em Casa grande e senzala. A primeira (e
única) experiência sexual com de Mariana com homem branco, o professor Frances,
evidencia que até os seus 30 anos não havia experimentado tanta proximidade.
Ela estranha a presença do corpo branco. E o casamento de Antonio com
Elizabeth, uma inglesa. No mais, apenas nas negociações comerciais e políticas
havia algum tipo de contato.
Certo mal estar surge com a liberdade atribuída as
mulheres negras sobre seu corpo e sua sexualidade. O estranhamento que me faz
indagar se tem elas uma liberdade sobre seu corpo e sua sexualidade ou a elas é
atribuído esse valor? Qual será a concepção de mulher negra para Antônio Olinto,
home branco. Será que apenas descreve o que observa. As descrições de Epifania
com o homem que fez filho nela, fez sexo com um negro sob a escada, a relação
com com o padre... homens que se apropriam apenas do corpo da mulher para o
beneficio do sexo. O sexo, aprieira experiência, era esperado com desejo e sem
culpa por Mariana. Que por decisão própria escolhe ser depois do casamento,
diferente de Emília que decide. Tive, em muitos momentos a sensação de ver a mulher
negra sempre disponível e disposta ao sexo sem culpas, sem restrições, muitas
vezes sem afeto. O sexo como a penetração de um membro em suas vaginas.
Uma consagração para mim foi ver o aconselhamento religioso
de Ifá para que mariana não se casasse novamente. Apenas ter homem para o sexo,
para companhia. O que de fato, ela faz.
Ah Mariana, são muitas as descobertas em sua companhia.
Tenho certeza que estará em meus pensamentos como referencia de uma mulher do
seu tempo, que respeita o passado e vislumbra um futuro diferente e melhor. Ela
me fez chorar, rir, refletir. O único momento que vi Mariana ir contra a
liberdade, é quando descobre o relacionamento amoroso do filho com outro homem
e interfere decididamente para que seu filho faça outra escolha, por uma mulher
com quem possa ter filho.
Mariana pergunta: Nós somos brasileiros ou
africanos? Para mim está é uma grande questão de pesquisa? Como se sentem hoje
os negros com consciência de sua ancestralidade? A avó Catarina vai áfrica em busca de suas origens e faz a
família reconhecer e afirmar a origem
brasileira. São africanos descendentes de brasileiros.
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