Reflexões...
Esta
foi definitivamente a aula que eu mais me diverti. E provavelmente a aula que
mais tocou a dimensão afetiva e pessoal. Discutir família e sexualidade é uma
tarefa de prazer e desafio para mim, talvez por ainda ser vista como um tabu na
área da educação. Em sala de aula, tive uma crise de riso em tempos de crises sociais e institucionais. Palavra
que caracteriza nosso tempo, tempo de difícil definição. Assim, escolho um
caminho pessoal para este ensaio, sem claro, tecer considerações relevantes
para a emblemática antítese escola versus família.
Nasci
em 1981, início da década perdida e da informação, década de criação e
crescimento do PT e da conquista das eleições diretas para presidente. Filha de
militantes políticos, vindos do sul, instalados no nordeste para fundação de um
partido. Mãe branca, gaúcha e feminista, pai negro, carioca e comunista,
boêmios e pertencentes a modelos alternativos de família e sociedade. Separados
e amigos. Lembro que quando íamos à praia, restaurante ou outro lugar público:
meu pai, sua namorada, minha mãe, o namorado dela, amigos, e muitos filhos, nós
chamávamos atenção de outras famílias presentes. Olhares atentos, curiosos e poucas
vezes de admiração, muitas vezes olhares discriminadores.
Na
escola (particular, bairrista de pequeno porte) eu e meu irmão chamávamos
atenção pela participação, oratória e inteligência de nossos pais. Os rumores
pós-reuniões giravam em torno da contradição entre as qualidades que tinham versus aparência (e comportamento
social). Como se as qualidades evidenciadas acima não correspondessem ao perfil
de tão diferentes modelos. Quando meus pais saiam na TV em alguma manifestação,
passeata, ocupação era outra situação que trazia a tona muitas falas sobre nós,
os filhos que eram abandonados pelos pais que vivem correndo da polícia. Coisas
assim...
Cito
apenas algumas situações que mostram alguns desafios que eram fazer parte de
uma família fora da norma. Eram muitos os julgamentos negativos que eu ouvi
sobre meus pais por parte de vizinhos de bairro, professores e gestores na
escola. Processo natural da adolescência, eu neguei este modelo de família e
decidi que teria uma família “normal”. Então fiquei noiva do meu primeiro
namorado, casei na igreja e no civil com um homem de uma família tradicional,
cujos pais eram casados há 40 anos, os cinco irmãos todos casados e prósperos.
Quatro anos depois de casada me separo após descobrir uma série de valores
ligados a opressão, hipocrisia, machismo, moralismo cristão de um modelo patriarcal
de família.
Esse
breve resumo de minha vida é para mostrar as razões de eu rir tanto na última
aula. As falar da professora, repletas de bom humor, ilustrando as contradições
das famílias, dos discursos, da moral impregnada nos modelos arcaicos de
sociabilidade, de família, de sexualidade delinearam um contexto de família que
pouco se quer desconstruir nos espaços acadêmicos. E que muito tem de
relevância para as questões educacionais, históricas, sociais.
O
casamento é uma estrutura enfadonha para tempos de tecnologia, velocidade,
globalização e busca incessante de uma identidade coletiva e individual (self).
“Até
que a morte nos separe em nome de que?”. Em razão de uma economia ou de um romantismo
em declínio? O que nos leva a escolher uma vida a dois? O que nos leva a
decidir ter filhos?
Para
Castells quanto mais “globais” se tornam as formas de se relacionar com o as
pessoas, com o dinheiro, com as instituições, mais necessidade e conflitos
encontramos na busca de uma identidade (self). Quem somos diante de tantas
novas formas de ser? Se o modelo patriarcal de família é apenas um dentre outros
que co-existirão por que pessoas se submeterão a relações longas e infelizes?
Os
discursos sobre família nas escolas (conteúdo, práticas, material didático)
continuam reproduzindo modelos irreais: ignorando as relações homo-afetivas,
ignorando famílias adotivas, ignorando crenças e religiões, assim como cor,
raça e etnia. É comum, nos relatos de meus alunos de graduação, a informação de
que as escolas desconsideram e ignoram as novas formas de relacionamentos e
proíbem o uso de imagens dos novos padrões. São típicas perguntas dos meus
alunos de graduação: Como apresentar a nova família? Como eu devo agir quando
uma criança diz que tem dois pais? Como representar as famílias onde só há um
pai ou uma mãe por adoção ou por escolha da inseminação artificial? Como trabalhar
valores de família com criança que sobre violência por parte dos próprios pais,
a escola sabe e se cala?
O
que interessa para educação discutir família? Discutir família é refletir sobre
os padrões de comportamento. E problematizar a homogeneidade que a escola tanto
impõe. E refletir sobre valores humanos. E considerar identidades diferentes.
Todo
inicio de ano, vou a escola do meu filho conversar com a professora e apresentar como é nossa família. Peço para professora
usar decorações que mostre a diversidade das pessoas e das famílias, peço para
que valorize as famílias cujas mães ou pais educam sozinhos os filhos. Peço
para que respeitem as diferentes crenças e religiões. É um exercício que busco
em minha prática como professora e são discussões que levo para os cursos de
formação onde trabalho.
Concordo
que a relação família escola nunca foi o que se esperava. É sempre uma
idealização do que deveria ser. Por isso considero tão feliz a proposta desta
discussão em sala de aula. Eu vi na postura da professora a intenção de
problematizar
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