sexta-feira, 4 de março de 2016

Por uma matriz curricular que inclua as populações negras

Texto de reflexão apresentado à disciplina SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO BRASILEIRA em Outubro de 2012. Profª. Dra. Maria Juraci Maia Cavalcante. Autora: Carolina Maria Costa Bernardo


Reflexões acadêmicas...
Depois de dois anos volto à sala de aula – como aluna - com muitas expectativas. Logo após o mestrado, trabalhar como professora do ensino superior (graduação e pós-graduação) colocou-me frente a inúmeros desafios e questionamentos quanto ao devir docente. Voltar à sala de aula após essa longa experiência é uma oportunidade de realizar a práxis em meu campo de atuação e isso me deixa bastante motivada. Ansiosa, deveras. Entretanto, a ansiedade decorre da curiosidade latente de conhecer o novo e o velho.
Ocupar um lugar no programa de pós-graduação, como doutoranda é ocupar “O lugar da incerteza, da insegurança... e esse é o lugar do professor.”, como bem pontuou a professora Juraci Cavalcante. Saio então da minha zona de conforto em busca de luz e conhecimento. Navegar por esses mares oficiais do saber-poder assusta ao mesmo tempo, encanta.
Enquanto esperava a professora chegar, eu pensava sobre o caminho a ser traçado nos próximos quatro anos, a forma como as carteiras estavam organizadas, observava as pessoas esperando, me perguntava sobre tudo e todos os presentes. Depois de esperar por quase uma hora, vejo entrar a professora em meu campo visual de análise e provavelmente de todos os alunos. Observo-a entregar a proposta temática impressa e brincar sobre seu nervosismo diante da turma de quase 40 alunos. Neste momento senti a conexão da empatia.
Observei sua postura, sua gerencia sobre o tempo, a organização e a sistemática da disciplina. Ouvi atenta sua palavra, a clareza e honestidade com que se coloca e expõe seu pensamento e a humildade inspiradora de reconhecer a todos como valor que emerge da diversidade do pensamento. Mas tão logo não me vi reconhecida na proposta temática do Seminário da Educação Brasileira, inquietei-me.
Da explanação das temáticas destaco três momentos cuja discussão reverberou por toda a semana em meus pensamentos: 1) O viés conceitual da disciplina; 2) As reflexões resultantes das falas daqueles que ousaram se colocar e 3) Os tópicos que perpassaram a discussão e me agradaram de imediato, como a Morte, a “Pedagogia da Arenga” e o passeio para a Serra da Capivara.
Quando ouvi “vamos conhecer nossa ancestralidade européia” no início da apresentação da proposta temática confesso que me assustei. Primeiramente por nunca antes ouvir menção a essa categoria. Seria uma categoria conceitual da história, sociologia, antropologia?  Ouvi atentamente, acompanhando a bibliografia impressa e percebi que aprenderei nesta disciplina a versão eurocêntrica e judaico-cristã do conhecimento, da escola, da educação e da formação cultural do Brasil.
Não falo com desdém e nem desrespeito. Pois se trata da história de formação do Brasil, se trata de história universal e eu preciso aprender. É importante dizer que respeito o lugar de onde fala a professora, suas escolhas, sua referência teórica, sua experiência. Contudo, apresentada a proposta me perguntei: E a ancestralidade africana? E a indígena? Deveria perguntar? Deveria ficar calada? Deveria compartilhar que não me sentia incluída (enquanto negra) mais uma vez ou ver ser prestigiada uma ciência que nega e desconsideram outras tantas.
Durante todo meu histórico escolar até o mestrado tudo que ouvi sobre negros é que foram “escravos” (povos negros escravizados) e sua contribuição para a culinária e capoeira. Eu sinto fome e sede de conhecer mais. Eu sou descendente de um povo que tem história. Um povo que dominava técnicas de agricultura, mineração, ourivesaria e metalurgia e tinha conhecimentos de astronomia e de medicina que serviram de base para a ciência moderna.  Infelizmente, a imagem que se tem da África e de seus descendentes não é relacionada com produção intelectual nem com tecnologia. Ela descamba para moleques famintos e famílias miseráveis, povos doentes e em guerra ou paisagens de safáris e mulheres de cangas coloridas.

Sei que conhecer essa história negada depende de mim. Mas, me sentiria feliz de ser contemplada numa matriz curricular. Um colega na sala de aula foi feliz quando compartilhou seu pensamento: precisamos conhecer profundamente a história européia para entender o que ela fez com nossa história africana. A professora diz: precisamos descobrir um novo jeito de compreender nossa realidade, compreender as culturas de forma integrada (internacional), portanto incluir a todos. Nesta colocação me senti contemplada. E senti que iremos vivenciar um espaço de grandes descobertas. Conhecer é sempre desafiador. Vamos à pedagogia da arenga que provoca e inquieta a nos levar ao caminho das dúvidas e incertezas.

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