sexta-feira, 4 de março de 2016

O passado em livros e compêndios (A construção social, política e cultural do Brasil)

Texto de reflexão apresentado após 2ª e 3ª aula da disciplina SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO BRASILEIRA em Outubro de 2012. Profª. Dra. Maria Juraci Maia Cavalcante. Autora: Carolina Maria Costa Bernardo.

“Se somos livres no coração, não haverá correntes feitas pelo homem com força suficiente para sujeitar-nos. Mas, se a mente do oprimido é manipulada (...) até o ponto dele se considerar inferior, não será capaz de fazer nada para enfrentar o seu opressor”. (Steve Biko)

As reflexões decorrentes das duas últimas aulas perpassam algumas categorias que emergiram da leitura das obras de Prost (2008), Hill (2003) e Azevedo (2010) assim como, e mais precisamente, das vozes manifestas no espaço quase circular, estabelecido como universo da “troca de saber”. São elas: a Origem da História ou a História do Tempo, a Bíblia, o Conhecimento e a Formação do Brasil.
A compreensão de que “ler não é uma ação inocente*”, e nem tampouco deve ser passiva, colocou-me diante dos textos de forma questionadora. Assim como a exposição de alguns pontos de vistas que provocaram inúmeras inquietações positivas para o aprendizado. Mesmo estando diante de um contexto que se fez áspero para mim, as rugas me impulsionam a pensar mais verticalmente e a buscar compreender o que está para além do dito e do escrito. Como se diz poeticamente, compreender o que está nas entrelinhas. E nessa tentativa, o presente ensaio expõe as ideias de forma interrogativa e reflexiva.
Quem lê no Brasil? O que lemos? Com que freqüência? Em uma rápida pesquisa no Google, encontro uma notícia no site o Estado[1], que outrora já havia lido, da qual revela que a população leitora no País diminuiu.
Enquanto em 2007 55% dos brasileiros se diziam leitores, hoje esse percentual caiu para 50%. Cerca de 80% dos brasileiros jamais pisaram em uma biblioteca e dos 197 escritores citados pelos entrevistados, os mais lembrados foram Monteiro Lobato, Machado de Assis, Paulo Coelho, Jorge Amado e Carlos Drummond de Andrade. Já os títulos mais mencionados foram a Bíblia, A Cabana, Ágape, O Sítio do Pica-pau Amarelo - que não é exatamente título de nenhum livro de Lobato - e O Pequeno Príncipe. Crepúsculo, Harry Potter e O Monge e o Executivo também aparecem na prateleira dos leitores brasileiros.
Uma pesquisa da UNESCO, apresentada no Jornal da Band este ano, feita com 52 países, aponta que o Brasil tem um dos piores índices de leitura e compreensão de texto (47º lugar). Ler não é um hábito comum para a maioria dos brasileiros e uma breve análise dos livros mais lidos evidenciam que tanto os autores quanto os títulos escolhidos são os mais amplamente divulgados pela mídia em geral. Exceto a bíblia.
Quem nos coloca diante do primeiro, do segundo, do terceiro livro? Arrisco-me aqui a dizer que a escola, a família, a igreja e as grandes mídias (TV, jornais e revistas) são as instituições apontam opiniões os tipos de leitores. E quais são os princípios ideológicos que estão alicerçados em cada obra e autor citado acima. Quais os princípios estão por traz de instituições de poder que ajudam a colocar a Bíblia na estante dos brasileiros e no ranking como livro mais lido do mundo?
Na medida em que me pergunto sobre a leitura, naturalmente me vem questões sobre a produção e divulgação dos livros e do conhecimento. Se há livros, há leitores e produtores. E os responsáveis pela produção e divulgação do conhecimento são os mesmo responsáveis pelas instituições de poder. E infelizmente, para mim, essa discussão não chegou a nossa sala de aula. E eu até pensei em falar, mas escolhi calar.
Lembro-me de quando fazia graduação, inflamada pelos estudos marxistas, eu repetia o bordão: “a escola é o lugar da apropriação do conhecimento produzido historicamente pela humanidade”. Na pós-graduação, cansada de repetir os jargões acadêmicos e despojada da vaidade que faz alguns querer ser aplaudido pelo domínio e acúmulo do “conhecimento historicamente produzido pela humanidade”, eu resolvi fazer a pergunta: Mas quem é essa humanidade que produz conhecimento? Que conhecimento é esse produzido pela humanidade? Serão os produtores de conhecimento (aquele reconhecido nos livros) os detentores do saber ou do poder? Serão aqueles que não produzem livros alienados do saber ou apenas do conhecimento sistematizado?
Wesseling (2008) no prefácio do livro Dividir para dominar disse que para compreender a partilha da áfrica foi preciso ouvir muita gente e que não é possível aprender apenas nos livros. Por esta razão eu não escolho o livro, nenhum deles, como superior a qualquer outro tipo de instrumento do saber. O livro é, como a experiência, a interação entre os sujeitos, a espiritualidade, enfim, um caminho de acesso ao saber. Como, infelizmente nossa cultura o coloca no topo da hierarquia, quem não o domina, está à margem.
Em sala de aula, “falamos” sobre a Bíblia como livro mais vendido de todos os tempos (mais de seis bilhões de cópias em todo o mundo), mas não “falamos” da Bíblia como um instrumento de poder.  Pessoas têm a bíblia, mas não a lêem, não têm acesso ao que significa. Reproduzem.  Poderíamos continuar lendo em latim, como conta nossa história da educação. Pois o significado das suas escrituras poucos são os que acessam e significam. Assim se deu nossa formação no Brasil. Poucos lendo e interpretando para a maioria. O país que não lê, mas que repete os pensamentos de quem produz os livros e de quem ocupa o espaço de saber-poder. O país que classifica hierarquicamente a superioridade de uns sobre os outros.
Há espaço para questionamento dos tais escritos nas salas de aula? Aprendemos que perguntar ofende. Mas como construir espaços de saber sem levantar a dúvida? Se não perguntamos como podemos criar o pensamento reflexivo? Será que precisamos queimar livros, destruir escolas, e falar tupi guarani para questionar as verdades estabelecidas? Fui obrigada a ler livros que não me acrescentaram em nada.  Fui à escola, por 15 anos ouvir histórias que não me interessavam e ainda não podia perguntar e mostrar que tinha dúvidas e incertezas sobre as Verdades apresentadas.
Considero interessantes as últimas questões levantadas na 3ª aula de Educação Brasileira que me tiraram do lugar comum e levaram-me a investigar, pensar, buscar resposta: A escola é necessária? Por quê? Para que?  Para quem? Para o sucesso? E que tipo de sucesso?
Vejo a escola/universidade como lócus de apreensão de uma sistematização necessária, e não única, do conhecimento. Essa apreensão foi muito bem ilustrada pelo colega João que disse que nestes espaços foi buscar o “credenciamento” para dar voz as suas pesquisas e pensamentos: “Cansei de ser o sujeito de pesquisa e quero ser o agente, o pesquisador.”
Estou cansada de ouvir a mesma história. Jesuítas? Portugueses? Escravidão? Descobertas de territórios? Desde a escola do primeiro grau (atual ensino Fundamental) ouvimos as mesmas coisas. E a história do Capitão Mouro (Aliás, os Mouros eram africanos, não é verdade?) que nunca foram citadas nos livros didáticos? E a organização, cultura das civilizações não-européias? E sobre a riqueza/valor de outros ritos e tradições? Concordo com Lévi-Strauss[2] (1952, pág. 01) quando afirma que:
“nada, no estado atual da ciência, permite afirmar a superioridade ou a inferioridade intelectual de uma raça em relação à outra, a não ser que se quisesse restituir sub-repticiamente a sua consistência à noção de raça, parecendo demonstrar que os grandes grupos étnicos que compõem a humanidade trouxeram, enquanto tais, contribuições específicas para o patrimônio comum.”
A produção de nossa história conta que evoluímos da selvajaria à civilização, passando pela barbárie. O projeto civilizatório cristão dos Jesuítas e sua pretensão universalista (como vimos nas duas últimas aulas) reforçam a ideia de superioridade de uns sobre o outro, assim como ilustra como ajudaram a docilizar os indígenas. Através da sedução destruíram um povo e sua tradição. E vejo esta sedução, como forma de conquista, uma violência, tanto quanto é o estupro.
Os críticos de Nagle, Azevedo e Freyre afirmam que seus textos contribuem para a compreensão de uma visão romântica sobre o processo de formação/construção do Brasil. Li Azevedo com muita inquietação pois não acredito nas versões que colocam que as relações entre índios, negros e brancos se deram de forma harmoniosa, pacífica, cordial. A sedução, a bíblia, o livro, a escola foram instrumentos civilizatórios, na maioria das vezes, violento e opressor.
É comum encontrarmos nos texto de história a relação Jesuítas-cientistas-humanistas versus os Negros e Índios como os selvagens. Uma arriscada análise do discurso na obra de Azevedo me faz perguntar: Será que a escolha de cada palavra desta está livre de uma ideologia? Não terão cometido nenhum ato de violência esses filhos de Deus em nome de uma educação que não era solicitada? Não foram selvagens em suas ações? Não seriam os negros e índios também cientistas? Não há neutralidade onde se produz conhecimento. Cada palavra escolhida para o discurso é carregada de valor moral, ideológico, social.
Uma coisa é o João buscar a “escola” para chegar ao “sucesso’. Outra bem diferente é a “escola’ ir para onde não sabem nem o que ela representa. Substituímos a educação religiosa pela científica com a escola nova. Para a larga história isso foi ontem e por esta razão ainda vemos pelos corredores acadêmicos professores carregando suas bíblias debaixo do braço.
Concordo com a professora quando disse que é importante “não ver o passado de modo simplificado*”. E nem ver do mesmo modo, penso eu. Mudar a perspectiva do olhar, questionar, é essa postura de uma educação libertadora. E respondendo a pergunta feita em sala, entre o poder do sucesso ou poder da liberdade de escolha eu fico com a última.




[1] Maria Fernanda Rodrigues - O Estado de S.Paulo, 28 de março de 2012
*As frases entre aspas com asterisco correspondem às falas da Profa. Dra. Maria Juraci
[2] Raça e História é um ensaio de antropologia de Claude Lévi-Strauss, publicado em 1952 na França, pela Unesco.

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