Reflexões acadêmicas...
Nesta
aula, dedicada à apresentação do seminário, a equipe iniciou com a exibição do
filme A missão, de Rolland Joffé,
indicado ao Oscar em 1987, ano em que eu cursava a 1ª série do Ensino
Fundamental e provavelmente ouvia de minha professora a lição: Quem descobriu o Brasil foi Pedro Álvares
Cabral.
A
equipe estava ali com o objetivo de compartilhar com a turma um fato: a Guerra Guaranítica.
E o fizeram a partir de uma escolha, recontaram pelo mesmo viés e fontes que
minha professora há 26 anos consultava. Não falo apenas do livro utilizado,
falo de uma ideologia, de um conceito, de um paradigma:
O eurocentrismo é um paradigma
que, como todos os paradigmas, funciona de maneira espontânea, com freqüência
sob o aspecto vago das evidencias aparentes de sentido comum. Por isso se
manifesta de maneiras diversas, tanto na expressão dos preconceitos
trivializados pelos meios de comunicação como nas frases eruditas dos especialistas de diversos domínios da ciência
social. [1]
Durante a explanação dos colegas (e inspirada
com as leituras de Antoine Proust sobre o tempo da história e a história do
tempo) algumas questões surgiam para reflexão: Como seria nossa história
contada e transmitida em livros pelos próprios índios? O que eles nos diriam
sobre as ocupações, os conflitos, as missões? Como seria nossa vida hoje se
nossa história fosse contada por quem perdeu as batalhas?
Cheguei
a perguntar ao colega Vinicius, integrante da equipe, se havia no livro de base
para o seminário, evidencias sobre como pensavam os índios acerca dos conflitos
e invasões e ele disse-me que há registro de cartas escritas pelos próprios
indígenas convertidos, estas cartas foram exploradas como fontes e dados históricos,
como foram com os diários dos jesuítas.
No
filme A missão a ênfase é dada aos conflitos que envolvem os índios guaranis e as tropas
espanhol-portuguesas e ao drama vivido por um violento mercador de escravos
indígenas cujo arrependimento pelo assassinato de seu irmão o converte um em
missionário jesuíta. Há uma visão romântica sobre o papel das missões
jesuíticas e o reforço das ideias de Darcy Ribeiro cuja análise aponta as
missões como um lugar de refúgio e abrigo aos povos indígenas contra a
violência que sofriam. Compreendo os jesuítas como europeus colonizadores e as
missões como instrumento do colonialismo. Inquieta-me o fato de um dos
principais líderes guaranis - Sepé Tiaraju - não ser evidenciado no filme.
Para
Proust (2008) o tempo da história é, precisamente, o das coletividades, das sociedades,
Estados e civilizações. Trata-se de um tempo que serve de referência comum aos
membros de um grupo. O autor enfatiza que o tempo da história esta incorporado,
de alguma forma, as questões, aos documentos e aos fatos.
Por
esta razão, é interessante considerar que um fato social como a Guerra
Guaranítica envolve múltiplos personagens, de diferentes grupos, com interesses
variados. Entretanto os documentos privilegiam uns e não outros. A história
mostra é que os fatos são pequenos frente as suas interpretações.
Vejamos
o exemplo do Sítio do Cumbe, o fato: a construção de usinas eólicas. Os
documentos oficiais mostram uma realidade positiva para o município e para o
país enquanto que os moradores contam que os avanços não beneficiam a
comunidade. Em todas as escolas e notícias somos informados que a energia
eólica é uma energia que só traz beneficio para os brasileiros. Se a versão dos
moradores do sítio do Cumbe não chegar aos documentos, somente uma versão será
a história oficial. A versão daqueles que com o aval do governo brasileiro
exploram nossas riquezas será levada aos livros, às escolas, as grandes mídias,
e assim, vamos formar milhares de crianças acreditando e defendendo uma usina
que também traz malefícios para as comunidades sem muitos recursos econômicos.
Quem
faz ciência na área de humanas não deixa de fazer história. Não somos
historiadores, mas classificamos acontecimentos na ordem do tempo, registramos
falas, atos, discursos, práticas e etc. E essa era minha preocupação durante a
apresentação dos meus colegas. Por que estavam recontando a mesma história sem
nenhuma crítica mais aprofundada? Por qual razão continuamos passivos diante
das bibliografias oferecidas para estudo?
Concluo
estas reflexões com a fala do professor Botelho na palestra de abertura do semestre:
Nós, professores e pesquisadores,
precisamos fazer novas perguntas que desafiem não só os alunos, mas nós mesmos. Sair da zona de
conforto das respostas prontas e eliminar as resistências diante respostas que
desconstruam as velhas verdades.
[1]
AMIN, Samir. O
Eurocentrismo: Crítica de uma ideologia. tradução [de] Ana Barradas. Lisboa: Dinossauro, 1999. (pág. 08) Grifo
meu.
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